Lingua Preta
Não me faça perguntas, e eu não te direi mentiras.
domingo, 7 de abril de 2024
Valeu, Ziraldo
Vai com Deus, Samylla
Eu estava almoçando com o pessoal da escola. Nesses locais comuns onde gente comum vai pra almoçar. A conversa era leve, tao leve que nem me lembro. Coisas do dia-a-dia.
Na parede uma TV, ligada no jornal de meio dia. Eu assistia muito esse jornal, hoje em dia não vejo mais.
Aí veio a notícia: criança é arrastada por enxurrada numa cidade de Goiás.
Seis anos.
A mãe voltava para casa com ela, quando a chuva forte começou. A uns pouco metros de casa, a menina escorregou, largou a mão da mãe e não suportou a força da água. Foi arrastada. A mãe correndo atrás, tentando salvar.
Mas não deu. A menina caiu num córrego e a mãe não viu mais. Um vizinho entrou na água, fez buscas, mas a noite sem luz dificultou a coisa toda.
A reportagem mostrou a mãe contando o que aconteceu. E depois o pai.
O pai com olhar conformado, agradecia aos vizinhos por terem tentado ajudar.
"Brasileiro sofre demais, cara." - falei na mesa pra mim mesmo. Acho que ninguém notou.
Acabamos o almoço, fomos para casa.
A noite, demorei dormir. Pensava no desespero que a menina devia ter passado. Sendo levada pela água, sem conseguir lutar e vendo a mãe desparacer no escuro atrás dela.
Morro de medo de água.
Mas tem uma coisa que eu tenho mais medo: conformismo com coisa ruim.
O olhar daquele pai, conformado com a provável morte da filha, não me saia da cabeça.
Ele não estava conformado porque não se importava, mas porque sabia que há gente nessa vida que não tem direito à felicidade.
No outro dia, acharam a mochila dela. Os caderninhos molhados dentro. O pai segurando na mão chorou. As cameras todas lá, pra registrar a dor.
O conformismo do pai deu lugar ao luto. Acharam o corpo da menina.
As cameras aos poucos foram sendo desligadas. Perderam o interesse.
Dá mais ibope criança perdida que criança morta. Criança morta a gente enterra e esquece. E pobre, sabe como é: logo faz outra.
Pois é. Eu não me conformo. Não me conformo pela Samylla. Não me conformo por nenhuma criança, mulher, negro, idoso, morador de rua, travesti, o que for.
Ninguém deveria morrer assim. Morrer a gente morre, mas precisa ser assim? Antes de morrer precisa perder a esperança? Precisa ver a mãe sumir na escuridão pra com 6 anos ter certeza que não vai mais viver?
Deus me perdoe. Mas não me conformo.
No dia que eu me conformar com o sofrimento dos meus irmãos, é melhor morrer também.
Vai com Deus, Samylla. Já me desculpei com Ele, por não me conformar.
Vai com Deus.
terça-feira, 2 de abril de 2024
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segunda-feira, 25 de março de 2024
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segunda-feira, 18 de março de 2024
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terça-feira, 12 de março de 2024
Quantas Lolos ainda serão necessárias para que o racismo chegue ao fim?
Joaquim Nabuco escreveu brilhantemente na sua obra Minha Formação:
A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil.
Para a pequena Lolo, moradora de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, foram necessários apenas 4 anos para sentir na pele as consequências desta característica nacional.
O que deveria ser um dia normal de aula para ela, se tornou um pesadelo.
Lolo, como toda criança tem de passar por esse processo de adaptação que é a escola. Conhecer um novo ambiente, novas crianças e outros adultos que terão o papel de autoridade semelhante ao dos pais.
Uma nova rotina, novas regras, horários, comida, atividades, deveres, enfim, praticamente uma nova vida.
Para uma criança de 4 anos, o mundo é todo alegria. Não há, salvo raríssimas exceções, a maldade.
Porém, há ainda a escravidão.
Ela espalhou por nossas vastas solidões uma grande suavidade; seu contato foi a primeira forma que recebeu a natureza virgem do país, e foi a que ele guardou; ela povoou-o como se fosse uma religião natural e viva, com seus mitos, suas legendas, seus encantamentos;
Lolo aos 4 anos não tem noção de que alguma pessoa possa lhe desejar fazer mal. Para ela, o mal é um conceito ainda inatingível. Mas isto não lhe é garantia de que o mal não possa ocorrer.
Para Lolo, sua pele, sua cor, ainda não é uma característica que a diferencie das demais crianças. Para ela, todos somos iguais. Crianças, adultos, idosos, todos são seres humanos.
Um pensamento infantil.
Mas a escravidão, no Brasil...
insuflou-lhe sua alma infantil, suas tristezas sem pesar, suas lágrimas sem amargor, seu silêncio sem concentração, suas alegrias sem causa, sua felicidade sem dia seguinte...
Lolo, com sua alma infantil, fez o que uma criança normal faz todos os dias nas milhões de escolas pelo Brasil afora. Foi carinhosa com um de seus colegas de classe. Um abraço.
Deu um simples abraço em outra criança, e ficou ali, na fila, como aprendeu a fazer todos os dias.
Mas então, o pai da outra criança, simplesmente entrou na escola, agredindo a diretora da unidade que se encontrava no portão, e empurrou Lolo pelas costas.
Assustada, acuada, Lolo teve ainda de ouvir ameaças com o dedo do agressor diante de seu rostinho assustado.
A polícia foi acionada e o agressor confessou que já havia tentado ensinar o filho a bater na pequena Lolo. O motivo? Ele não soube explicar. Não precisava, estava na cara. Não na dele, na de Lolo.
Diretora, monitora do pátio, e agressor foram ouvidos na delegacia especializada.
Lolo foi ouvida pela psicóloga ainda com a chupetas na boca. Ela não sabia explicar o que tinha feito de errado.
É melhor assim.
Como poderia uma pessoa em sã consciência explicar a uma pequena criança de 4 anos que seu erro foi ter nascido negra?
Como poderia uma pessoa normal tentar incutir na cabeça de uma criança de 4 anos que isso será pelo resto de sua vida, uma rotina?
Como poderia alguém, conseguir fazer Lolo entender que ela jamais iria poder consertar o seu erro, pois está estampado na pele?
Lolo terá ainda muito tempo para entender o que aconteceu no dia de hoje. Ainda há a esperança de que o tempo apague de sua memória o ocorrido.
Pode ser difícil, mas quem sabe Deus não se compadece e abençoa essa criança com o esquecimento?
Eu, velho, não conseguirei esquecer, embora preferisse.
Tampouco conseguirei entender como uma pessoa tem a coragem de agredir uma criança de 4 anos apenas por causa da sua cor.
Há muitas Lolos por esse Brasil afora. Algumas já são da minha idade, e ainda continuam sendo humilhadas por causa da sua cor.
Isso não vai mudar, infelizmente eu sei. Nabuco estava certo, por mais que me doa admitir.
A escravidão...
É ela o suspiro indefinível que exalam ao luar as nossas noites de Campo Grande ( no texto original, do norte ).
Obs. O nome da criança foi substituído para preservar sua identidade.
sábado, 9 de março de 2024
CCJ da Câmara vai virar palco de fake news e retrocesso
O Bolsonarismo realmente é uma desgraça para o país.
Não há como conviver de maneira minimamente pacífica com um grupo de vagabundos rematados como essa corja.
E podem parecer um pouco duras as minhas palavras, porém, basta ver a maneira como essa caterva atua para entender porque não podemos mais manter um discurso manso.
Além de conseguir colocar a deputada Nicole Xupetinha na Comissão de Educação da Câmara, para debater pautas que sequer existem e tentar destruir toda e qualquer prática do governo que tenha a intenção de melhorar a educação, o bolsonarismo explica outra peste na Comissão de Constituição e Justiça ( CCJ ).
E a primeira grande ideia dessa deputada de mente brilhante já é um retrocesso absurdo.
Ela quer o fim da cota para mulheres na política.
Atualmente, a lei garante 30% das vagas para candidaturas dos partidos para mulheres.
A deputada é contra por achar que política não é lugar para mulher (?).
Para ela, mulheres seriam mais úteis por exemplo, escolhendo o terno do marido deputado.
"Não deveria existir uma lei que obrigue mulheres serem candidatas. Porque corremos o risco de haverem um monte de mulheres de esquerda ditando as regras do país. Mulher que é mulher mesmo não escolhe o banheiro que usa." (sic), disse a deputada.
Alguém precisa ir até a Região Sul, ensinar o uso do verbo haver, urgentemente.
Preparem-se para audiência públicas na Comissão de Educação debatendo banheiro unissex, e a CCJ tendo de lidar com projetos de anistia para golpistas vagabundos.
É o que restou pata a oposição no Brasil, que quando esteve no poder não tinha projeto nenhum além de coçar as bolas do projetinho de ditador.