Braga Netto segurando o grito de golpe |
“Se não tivermos... uma maneira de auditar os votos, teremos
problemas maiores que os Estados Unidos”, disse ele no curralzinho onde costuma
conversar com seu gado.
O Brasil ainda é a maior democracia da América Latina, e
realizará sua eleição mais importante em décadas, no mês de outubro.
De um lado, Luís Inácio Lula da Silva, ex-metalúrgico que
ocupou a presidência do país entre 2003 e 2010. Do outro, Jair Bolsonaro, um
ex-militar que foi expulso do Exército por sua conduta indisciplinada e ocupa a
cadeira da presidência desde janeiro de 2019.
Na última eleição em 2018, a condenação vinda de um juiz
suspeito é incompetente, tirou Lula da disputa e pavimentou a vitória de
Bolsonaro. Mas as atuais pesquisas apontam a vantagem de dois dígitos de Lula
em relação ao adversário, confirmando sua provável vitória.
O momento para Bolsonaro não é nada agradável. Ele não pode
mais alegar ser um outsider político e se mostrou uma farsa quanto ao combate à
corrupção após estes 3 anos de um mandato marcado por escândalos e conduta criminosa.
Com a fome atingindo níveis não vistos há décadas, os
eleitores vão lembrar que as políticas de Lula uma vez ajudaram a colocar
comida em seus pratos. Poucos esquecerão que a conduta criminosa de Bolsonaro
ajudou a produzir mais de 660 mil mortos na Pandemia de Covid.
LADAINHA POPULISTA
Apavorado pela possibilidade de derrota para Lula, Bolsonaro
mente que se o adversário vencer, o Brasil se tornará uma Venezuela, um “vagão
no trem do socialismo”. Porém Lula é considerado como parte da esquerda
democrática, muito distante dos socialistas incompetentes que governam a
Venezuela.
Muitos suspeitam que o medo de Bolsonaro não é só da perda
do andar, mas também, da perda da imunidade do cargo e perda do controle sobre
a Polícia Federal. Isso o deixaria exposto a uma série de ações judiciais e
processos criminais.
Em agosto passado, ele disse:
“ Tenho três alternativas para o meu futuro: ser preso,
morrer ou vencer”.
Com as probabilidades de derrota batendo em sua porta o
presidente pretende reescrever o livro de regras. Em 13 de Julho, o Congresso
aprovou uma emenda constitucional permitindo que o governo ultrapasse os
limites anteriores de gastos em um ano eleitoral.
Isso permitirá uma espécie de compra de votos explícita e
oficializada a poucos dias da votação.
Ele também está semeando dúvidas sobre as eleições. Aos seus
fanáticos ele afirma que somente será derrotado em caso de fraude, e sugere que
pode contestar o resultado das eleições. Falta-lhe coragem para admitir
abertamente, mas a sua intenção é não passar o cargo ao seu sucessor.
Diferente dos EUA, onde Trump tentou intimidar as
autoridades eleitorais locais, com ações judiciais, no Brasil o sistema
eleitoral é centralizado, o que anularia tal tática.
As eleições no Brasil, desde a década de 40, são comandadas por
tribunais eleitorais independentes, cujo órgão máximo é o Tribunal Superior
Eleitoral, composto por 7 ministros, incluindo 3 do Supremo Tribunal Federal.
Não existe até hoje, nenhuma fraude comprovadamente ocorrida
através da votação em urna eletrônica.
Suponhamos que Bolsonaro perdesse, e então?
Ele teria várias semanas até a posse do vencedor. Ele
poderia contestar o resultado legalmente através do TSE. Dois tipos de ações
poderiam ser levadas ao Tribunal:
Uma ação de inquérito judicial eleitoral, que pode ser
proposta antes da eleição, e geralmente, refere-se a irregularidades de
campanha.
A outra ação, é uma contestação a um mandato eleitoral. A
Constituição Federal diz que um mandato pode ser formalmente investigado se
houver evidências de abuso econômico, corrupção ou fraude. Isso deve acontecer
no prazo de 15 dias após o vencedor ser certificado em dezembro. O resultado
pode ser anulado e um novo vencedor declarado.
Tal procedimento, envolveria muitos personagens da
República. Partidos poderiam fornecer provas. O procurador-geral, Augusto Aras,
conhecido sabujo de Bolsonaro, poderia oferecer um parecer jurídico. Mas a
decisão final caberia ao Supremo Tribunal Federal.
Historicamente, esse tipo de ação é rara nas eleições
presidenciais, embora sejam comuns nas municipais. O TSE abriu sua primeira
ação para contestar o mandato de um presidente empossado em 2014, depois que a
oposição contestou o mandato de DILMA
Roussef, sucessora de Lula. Ainda assim, atuou com cautela, adiando qualquer
julgamento até que o Congresso a retirasse do cargo através de um impeachment.
As queixas do PT de que notícias falsas influenciaram o
resultado da eleição de 2018, vencida por Bolsonaro, também não deram em nada.
Os tribunais não anularão resultados sem fortes evidências de irregularidades.
É improvável que desqualifiquem o candidato vencedor.
Bolsonaro pode não querer contar apenas com os tribunais.
Suas relações com os ministros nem sempre são cordiais. Em abril ele concedeu um
indulto ao deputado Daniel Silveira, que ameaçou a vida de ministros do STF.
O presidente se refere ao ministro Edson Fachim, como “aquele
que tirou Lula da cadeia”.
No STF, Fachim anulou as condenações de Lula, tentando
livrar o ex-juiz e ex-ministro da Justiça de Bolsonaro dos processos de
suspeição.
Em julho, Bolsonaro insinuou que Fachim “já sabe” o
resultado da eleição (como se o próprio Bolsonaro já não soubesse que será
derrotado).
Além de todas essas bobagens, Bolsonaro insiste na mentira
de que o sistema de votação eletrônica é suscetível a fraudes.
O sistema é utilizado desde 1996 sem indícios de
irregularidades. Sem nenhuma prova, Bolsonaro está sendo investigado por
produzir fake news sobre o TSE.
Pode ser mais difícil para Bolsonaro do que para Trump persuadir
muitas pessoas de que uma eleição justa foi “roubada”. Em maio, 73% da
população disse confiar nas urnas eletrônicas.
No entanto ele obriga o STE atual sempre na defensiva. O
exército até maio de 2022 já havia enviado 88 questionamentos sobre
vulnerabilidade do sistema eletrônico, muitas delas dando eco as asneiras de
Bolsonaro. O papel das Forças Armadas geralmente se resume ao transporte e
proteção das urnas eletrônicas.
Este ano, o TSE convidou as Forças Armadas para integrar uma
comissão de transparência para rebater a alegação mentirosa sobre fraude. Mas
agora o exército tenta criar o seu próprio sistema eleitoral, que tem como
objetivo garantir a vitória de Bolsonaro.
O presidente parece empenhado em minar a confiança nas
instituições democráticas. Antes da última eleição, seus apoiadores espalharam notícias
falsas sobre seus oponentes. Desde então, a bozosfera se expandiu. No WhatsApp
e no Telegram, seus apoiadores descartam os pesquisadores e cientistas e
compartilham pesquisas mentirosas e criminosas. Sites de desinformação se
multiplicam. Quase um terço da população acredita que a eleição pode ser fraudada.
As desavenças de Bolsonaro com o judiciário e a imprensa, coincidem
com exageros do Congresso. Lá, ele conquistou políticos ao distribuir cargos
ministeriais e fatias de um orçamento secreto que totalizaram R$ 4,9 bilhões em
junho.
Naquele mesmo mês, senadores evitaram por pouco aprovar uma disposição
de estado de emergência para a emenda constitucional que poderia ter dado ao
presidente amplos poderes sobre o orçamento.
Os truques de Bolsonaro podem ser comparados com os de
Viktor Orban, primeiro ministro da Hungria, que desmereceu de maneira
abrangente os tribunais e todo mídia de seu país, e conseguiu influenciar o
campo eleitoral a seu favor. Bolsonaro apesar de ter se encontrado com Orban,
não conseguiu reproduzir nenhuma destas coisas.
No entanto, seus adversários temem que se a votação estiver
apertada, ele possa alegar que foi que foi roubado da vitória e tentar se
agarrar ao cargo de maneira suja. Ele pode tentar despertar uma multidão insurrecional,
como Trump fez no ano passado. Ele pode inspirar um motim dentro da Polícia
Militar ou do Exército. Ele poderia até tentar um golpe. A última opção é
extrema, mas o Brasil só saiu de uma de uma ditadura militar em 1985. Bolsonaro
não esconde sua saudade reacionária dos bons e velhos tempos de torturas e
assassinatos realizados pelo estado contra seu próprio povo.
O Brasil nunca enfrentou verdadeiramente seu passado
ditatorial. Alguns militares dentro do Exército ainda acreditam que têm o direito
de tomar o poder no país.
O companheiro na chapa de Bolsonaro, o general aposentado Walter
Braga Netto, muitas vezes tenta assustar com sua linguagem agressiva, por vezes
beirando a imbecilidade. Ele chegou a dizer: “Ou temos eleições limpas, ou não
teremos eleições”. Nos EUA, ninguém pensou que o Exército apoiaria a tentativa
de golpe de Trump. No Brasil ninguém tem certeza do que o alto escalão pode fazer.
Ainda há uma parcela de otimistas que duvidam que o Exército
entre na aventura de Bolsonaro. As condições são muito diferentes de 1964,
quando o exército assumiu o poder pela última vez. Depois teve o apoio das
elites empresariais e modifica-se dos EUA e de parte do Congresso Nacional. É
difícil imaginar qualquer desses grupos apoiando um golpe agora. A maioria dos
apoiadores do presidente também não apoia a ideia. Mas existem centenas que clamam
pelo golpe desde o dia de sua posse.
Um risco maior é uma divisão dentro das Forças Armadas. Em
1964, foi um general de três estrelas que iniciou o golpe, não um general de
quatro estrelas. Os analistas também observam as Polícias Militares que superam
o número de soldados. Muitos apoiam Bolsonaro e podem aderir aos protestos se
ele perder e podem se recusar a reprimir protestos violentos de bolsonaristas.
Este é o resultado mais provável. Esta eleição tem muito em comum com algumas
disputas explosivas da América Latina dos últimos anos.
No dia 9 de julho, um agente penitenciário federal vociferando
imbecilidades em apoio a Bolsonaro, matou um membro do PT. O presidente não condenou
o assassinato em momento algum, e seus fanáticos continuam belicosos. Alguns temem
que no dia 7 de setembro possa ocorrer uma tentativa de impedir as eleições.
Há uma outra maneira de as coisas se desenrolarem. Se Bolsonaro
perder, pode negociar sua saída em troca de imunidade, o que os analistas chamam
de “transição pactuada”. Assim terminou o regime militar. Se ninguém acabar sendo
responsabilizado, poucos ficarão satisfeitos. Mas é uma triste realidade para o
Brasil, que está possa ser a saída menos traumática e perigosa para o país.