domingo, 1 de junho de 2025

Eulogy

Chegou à Netflix a aguardadíssima sétima temporada de Black Mirror e com ela, Eulogy, episódio que mergulha de cabeça no novelo emaranhado entre tecnologia e lembrança.

O artifício que move a trama é, por si só, de arrepiar: um software capaz de nos colocar dentro de fotografias antigas para que possamos compor um elogio fúnebre à altura de quem partiu. Para Phillip ( Paul Giamatti ), essa porta no tempo tem gosto amargo.

Nas três polaroides que ele escolhe, o rosto da antiga namorada, Carol, foi rasbicada às pressas - uma tentativa infantil e inútil de apagar a dor de quem preferiu rasgar a página em vez de virá-la.

A lente do episódio é quase psicanalítica. Memória não é uma gaveta bem arrumada, é história recontada para que possamos seguir vivendo. Ao reconstruir aqueles cenários riscados, Phillip ressuscita tudo o que havia empurrado para o porão.

O dispositivo age como analista: força o encontro - desconfortável mas, necessário - entre a vontade inconsciente de repetir a perda e o desejo de transformar luto em futuro.

O roteiro frisa que o destino cinzento de Phillip, envelhecendo sozinho numa cidade pequena, não foi castigo do relógio: brotou de decisões minúsculas, de cada conversa adiada, cada foto rasgada em silêncio.

Paul Giamatti carrega tudo isso no corpo. Ele faz dos olhos uma zona de exclusão - raramente encara a lente. Um leve tremor no canto da boca vale mais que paginas de diálogo. E, nos silêncios, sentimos o peso de tudo que não coube em palavras. Quando enfim chega o choro, ele explode como relâmpago.

A direção de Chris Barret e Luke Taylor brinca com a nossa percepção: as fotos começam planas, desbotadas, e de repente as figuras respiram, o grão salta, o obturador estala. É lindo e pertubador - como folhear um álbum de família sabendo que cada página guarda algo que talvez preferíssemos nunca reviver.

Charlie Brooker e Ella Road, os roteiristas, costuram tudo con a melancolia de quem olha para a própria juventude pelo retrovisor. As menórias de verão vibrantes - risadas ecoando na feira, planos ousados para quando ficarmos velhos - batem de frente com ruas vazias, a barbearia fechada, o relógio da praça parado às três e quinze.

Eulogy pergunta: será que a solidão é obra do tempo... ou culpa da nossa covardia diante das encruzilhadas?

Os giros do enredo - a identidade real da Guia, o segredo por trás da foto rasgada - mantêm o coração na garganta. Mas, quando a tela escurece, fica o olhar de Phillip: um pedido de desculpas tardio para o próprio passado. Aprendemos aí: a tecnologia pode reabrir portas, atracessá-las ou não continua sendo só nosso.

Eulogy dispensa consolo fácil. Oferece, em vez disso, um espelho sem retoques. Nele, entendemos que dá para reescrever certas memórias antes que o tenpo as cubra de poeira - mas apenas se tivermos coragem de encará-las de frente.

Black Mirror talvez nunca tenha soado tão profundamebte humano.

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