O caso — o famoso crime da 113 Sul — é daqueles em que o Estado se perde no labirinto das próprias certezas. A condenação, agora anulada pelo Superior Tribunal de Justiça, foi construída sobre provas frágeis, uma confissão duvidosa e depoimentos sem sustentação em juízo.
Não havia DNA, não havia testemunho sólido, não havia sequer coerência entre os relatos. Ainda assim, bastou.
Bastou para que o Judiciário fizesse o que o destino jamais deveria fazer: tomar de um homem o direito de existir fora das muralhas.
Pois bem. Ao corrigir o erro, o STJ não fez um ato de benevolência — apenas cumpriu a lei.
Tarde, é verdade, mas cumpriu.
A decisão traz à memória uma das frases mais célebres do direito ocidental, escrita pelo jurista inglês William Blackstone, no século XVIII:
“É melhor que dez culpados escapem do que um inocente sofra.”
Essa máxima não é apenas um ideal teórico. É o pilar moral de qualquer civilização que se pretenda justa. Porque quando o Estado pune sem provas, ele se iguala ao criminoso — e, pior, faz da lei o instrumento da injustiça.
Meu amigo Paulo-Roberto Andel diria que se confunde justiça com justiçamento.
O caso de Mairlon é uma advertência grave. Mostra que a pressa em satisfazer a opinião pública, ou o desejo de fechar um inquérito a qualquer custo, pode custar o que o direito deveria proteger acima de tudo: a inocência.
Mas há o outro lado — o avesso sombrio dessa mesma moeda. Se Mairlon é o símbolo do inocente punido sem provas, há quem se transforme no culpado poupado apesar delas. E aqui o nome que ecoa é o de Jair Bolsonaro.
Nos processos que o cercam, o que não falta são indícios: vídeos, atas, mensagens, reuniões golpistas registradas, testemunhos convergentes, planos detalhados. Há tanto material que o verdadeiro desafio parece ser fingir que nada disso existe.
Se o primeiro foi esmagado pela ausência de provas, o segundo tenta sobreviver à abundância delas. Um condenado por presunção; outro blindado pela conveniência. Um perdeu quinze anos da vida; o outro parece disposto a perder o país.
A Justiça brasileira precisa decidir de que lado está — se do lado de Blackstone ou do lado da impunidade seletiva. Porque, no Brasil, o provérbio parece invertido: é melhor que dez inocentes sofram do que um poderoso seja condenado.
Mairlon sai das grades com a alma ferida, mas com o nome limpo. Bolsonaro ainda circula terceirizado em palanques de redes sociais, zombando das instituições que deveriam contê-lo.
O primeiro é a prova de que o Estado pode errar. O segundo, a de que pode fingir que não erra nunca.
Entre o inocente injustiçado e o culpado impune, mora a fronteira moral que define uma nação. E, até agora, o Brasil continua tropeçando nela.