sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Até que a Morte nos separe

por Antonio Gonzalez
Em 1978, Rita Lee lançou Babilônia, obra-prima que guardava entre seus diamantes a joia “Jardins da Babilônia”.

Este 2025 tem sido um ano duríssimo para mim no que toca à saúde. Vi a morte de perto mais de uma vez. Sigo tentando escapar. Não fosse o companheirismo de alguns amigos, a jornada já teria virado despedida. Há dias em que quase não sobram leões para matar — apenas a sobrevida.

Minha saúde não é de ferro, não, mas meus nervos são de aço. Pra pedir silêncio eu berro, pra fazer barulho eu mesmo faço.

Ano de eleição no Fluminense. Das escolhas que fiz — certas ou não — reconheço que o peso do meu nome incomoda, mesmo a 310 km da Álvaro Chaves. Tanto incomoda que a oposição criou um fake para me atingir: o tal LOUCO DA CABEÇA. Como se isso fosse me entristecer... nada. A resposta virá no tempo certo.

Chamaram-me de dependente químico: nunca frequentei AA, NA, nem perdi emprego ou cliente por dependência alguma. Já outros…

Disseram que vivo de extorsão: não é o meu nome que aparece no Google como condenado; não fui eu quem se escondeu em Cabo Frio por gastar o dinheiro de clientes. Nunca participei de escândalo na cidade, nem figuração em CPI.

Afirmaram que sou vagabundo: Taubaté, Tremembé, Caçapava, Pindamonhangaba, Lorena, Caraguatatuba, Guaratinguetá, Ubatuba, Campo Grande (MS), Guanambi (BA), Porto Velho (RO), Campina Grande (PA), Cambuquira (MG) e Boa Esperança (MG) — todas têm minhas digitais em Marketing Político nos últimos 3 anos.

No Rio de Janeiro, trabalhei com Marketing Digital para José de Sousa (PRB 2014), Alexandre Arraes (PSDB 2016), José Ciminelli (NOVO 2020) e Orlando Zaccone (PDT 2022). E ainda desenvolvi projetos para a Universidade Cruzeiro do Sul de São Gonçalo (2018), cujo dono, ironicamente, é pai de um membro da chapa opositora.

Falaram até que não tenho família. Quem diz isso é um pobre-diabo que nada sabe da minha vida. Muito menos conhece o mundo de quem já viveu 16 anos na Europa. Em 2018, no Jecrim de Botafogo, repetiu a mesma frase diante do conciliador e saiu com o rabo entre as pernas. O álcool devora o pouco que lhe resta do cérebro.

O fake mistura “racismo, nazismo, xenofobia, misoginia, homofobia e a eterna busca por vantagem ilícita”.

Pegar fogo nunca foi atração de circo, mas de qualquer maneira pode ser um caloroso espetáculo.

Não sei quanto ainda me resta de vida — talvez meses. Mas não darei plateia a certos merdinhas.

Fecho com duas frases sobre esta campanha — uma anônima, outra minha:

a) “Todo Ademar tem a Carla Zambeli que merece.” (autor desconhecido);
b) “A groselha, quando desce pelo nariz depois de um soco, vem tão quente que dá para fritar um ovo.”

Conclusão: mexeram com a pessoa errada. Posso morrer amanhã, mas a dúvida sobre os donos do fake é só uma: CAPOTE OU CAPOTAGEM.

TEXTO DE:
Antonio Gonzalez

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Sinéad O'Connor, o preço pela verdade

Diante de 20 mil vaias que a expulsavam do palco, um homem se aproximou e sussurrou em seu ouvido: "Não deixe que esses desgraçados te abalem."

Era 16 de outubro de 1992, no Madison Square Garden.

Sinéad O'Connor, aos 25 anos, já era uma voz inconfundível, uma superestrela global eternizada pela melancólica "Nothing Compares 2 U". Mas naquela noite, ela não pisaria num palco para ser ovacionada por fãs. Ela caminhava direto para uma emboscada.

Duas semanas antes, ao vivo no Saturday Night Live, Sinéad havia cometido um ato impensável. Cantou "War", de Bob Marley, mas com letras alteradas para denunciar o abuso infantil. Em um gesto desafiador, olhando fixamente para a câmera, rasgou uma foto do Papa João Paulo II, proclamando: "Lutem contra o verdadeiro inimigo."

A retaliação foi imediata e avassaladora. Ameaças de morte, boicotes nas rádios, condenação da Igreja Católica. Até colegas artistas se afastaram. Frank Sinatra, em sua fúria, disse que queria "chutar a bunda dela". Joe Pesci, apresentador do SNL na semana seguinte, declarou que se estivesse lá, teria "dado-lhe uma tremenda bofetada".

Mas Sinéad não se retratou. Não cedeu. Ela tentou explicar: seu protesto era contra o abuso infantil sistêmico dentro da Igreja Católica, um acobertamento que chegava aos mais altos escalões.

Em 1992, porém, a verdade era incômoda. A ideia de que a Igreja protegia padres pedófilos era descartada como teoria da conspiração, fanatismo anticatólico, devaneios de uma jovem "perturbada".

Assim, ao pisar no Madison Square Garden para o concerto de 30 anos de Bob Dylan, ela sabia o que a esperava. Um palco grandioso, repleto de lendas como Neil Young, Eddie Vedder, Eric Clapton, George Harrison. E, em meio a eles, Sinéad – a mulher que a América parecia querer aniquilar.

Kris Kristofferson, uma lenda em si – Rhodes Scholar, capitão do Exército transformado em compositor, autor de "Me and Bobby McGee" – foi escolhido para apresentá-la. Ele havia vivido o suficiente para reconhecer a verdadeira coragem.

Nos bastidores, enquanto Sinéad aguardava, a tensão era sufocante. Ela ouvia o rugido da multidão de 20 mil pessoas, todas já convencidas de que ela era a vilã. Kris subiu ao palco, fez uma introdução simples, digna, e pronunciou seu nome. As vaias explodiram instantaneamente.

Não era uma reação dispersa. Era uma MURALHA de som – um clamor unificado, carregado de ódio, que parecia fazer tremer as estruturas do Madison Square Garden. Vaias, gritos, insultos. Pessoas de pé, gesticulando obscenidades. Não era apenas a rejeição de uma performance; era a turba sedenta por sangue.

Sinéad avançou pelo palco – uma figura miúda, de cabeça raspada, engolida por roupas largas. O barulho se intensificou. O desprezo era quase tangível, uma onda que parecia querer empurrá-la de volta. Ela deveria cantar "I Believe in You", de Dylan, uma canção sobre fé diante da rejeição. Mas não conseguiu. O ódio era ensurdecedor, avassalador. Permaneceu ali, paralisada, enquanto as vaias prosseguiam.

Então, em um ato extraordinário, em vez da música planejada, ela começou a berrar "War", de Bob Marley – a mesma canção do SNL, as mesmas palavras que haviam incendiado a controvérsia:
"Até que a filosofia que mantém uma raça superior e outra inferior seja finalmente e permanentemente desacreditada e abandonada... Até que a cor da pele de um homem não tenha mais significado do que a cor de seus olhos... Até esse dia, o sonho de uma paz duradoura permanecerá apenas uma ilusão fugaz."

Não era mais uma canção. Era um contra-ataque. Sua voz, crua, desafiadora, raivosa, gritava: "Se vão me destruir, cairei de pé!"

As vaias redobraram. Objetos eram atirados. A hostilidade era tamanha que seguranças se aproximaram do palco. Sinéad não conseguiu terminar. A muralha de ódio era impenetrável. Ela interrompeu o verso e deixou o palco.

Nos bastidores, Kris Kristofferson a esperava. Ela tremia – adrenalina, raiva, humilhação, tudo em colisão. Lágrimas escorriam pelo rosto, parecia prestes a desmoronar. Kris a abraçou, puxou-a para perto e sussurrou em seu ouvido: "Não deixe que esses desgraçados te abalem."

Naquele instante – cercada por um mundo que queria apagá-la, por uma indústria que lhe virava as costas, por uma cultura que a condenava – uma única pessoa a enxergou com clareza. Não como uma estratégia publicitária, nem como uma celebridade problemática. Mas como uma jovem mulher desvendando a verdade, a um custo pessoal colossal.

Mais tarde, Kris dedicou-lhe uma canção, "Sister Sinead". As letras capturavam a essência do que ele testemunhou: uma pessoa corajosa demais para ser quebrada, honesta demais para ser domada, verdadeira demais para se apagar.

A canção abordava a pergunta óbvia que todos faziam: "Ela era louca?" Talvez. Mas o mesmo se dizia de figuras históricas que enxergaram o que os outros não viam, que proferiram verdades que ninguém estava pronto para ouvir. Picasso foi taxado de louco. Os santos foram chamados de loucos. Todo profeta, todo porta-voz da verdade, toda pessoa que se recusou ao silêncio quando calar era mais cômodo – todos foram, primeiramente, chamados de loucos.

E então, anos depois, o mundo acordou.

Em 2002 – uma década após Sinéad rasgar aquela foto – o Boston Globe publicou uma investigação que viraria tudo de cabeça para baixo. Revelaram o que Sinéad tentara dizer: a Igreja Católica acobertara sistematicamente o abuso sexual infantil por décadas. Padres molestavam crianças, bispos protegiam padres. Não era teoria da conspiração. Era um fato documentado.

As revelações se espalharam globalmente. A Irlanda, terra natal de Sinéad, foi particularmente devastada pelas descobertas. Milhares de vítimas surgiram. Os acobertamentos eram profundos, institucionais, exatamente o que Sinéad tentara expor.

Ela estava certa desde o início.

Mas, a essa altura, sua carreira estava em ruínas. O público, enfim, admitiu a verdade, mas um pedido de desculpas real nunca veio. O palco do Madison Square Garden nunca testemunharia sua vindicação. A indústria que a marginalizou jamais ofereceu uma chance de reparação.

Sinéad O'Connor passou o resto da vida lutando contra problemas de saúde mental, buscando ser ouvida e tentando criar música numa indústria que a rotulou como "difícil" e "instável". Em 2018, converteu-se ao Islã, tornando-se Shuhada' Sadaqat. Manteve-se fiel à verdade, recusando-se a ser moldada pelas expectativas alheias.

Em julho de 2023, Sinéad O'Connor faleceu aos 56 anos. As homenagens choveram – muitas vindas das mesmas pessoas e instituições que a haviam destruído décadas antes. Chamaram-na de "profetisa", louvaram sua "coragem", reconheceram que ela estava certa sobre os abusos da Igreja.

Mas ela nunca as ouviu. Morreu sabendo que dizer a verdade lhe custara tudo.

Kris Kristofferson – o homem que sussurrou aquelas palavras – compreendeu algo naquela noite de 1992 que a maioria ignorou. Ele entendeu que a história é pródiga em pessoas punidas por estarem certas cedo demais. Que a coragem se confunde com loucura quando se está sozinho. Que os transformadores do mundo são, quase sempre, destruídos primeiro para serem celebrados depois.

Naquele momento nos bastidores, ele não podia restaurar sua carreira, silenciar as vaias, protegê-la do que viria – os anos de exílio, a luta, a dor. Mas ele podia fazer uma coisa: Vê-la. Realmente vê-la. Não como a vilã que a turba havia decretado, mas como sua irmã na ancestral tradição dos que não se calam diante da verdade.

"Não deixe que esses desgraçados te abalem."

Cinco palavras que diziam: "Sei que foi um ato de bravura. Sei por que o fez. Sei que a farão pagar por isso. Mas não ouse deixá-los convencê-la de que estava errada."

Duas décadas depois, Sinéad finalmente falou publicamente sobre o gesto de Kris. Ela revelou que aquelas palavras – sussurradas num momento em que o mundo inteiro berrava – a mantiveram viva. Quando pensava em desistir, em se convencer de que talvez estivessem certos e ela fosse louca, lembrava-se: Kris Kristofferson acreditou nela.

Às vezes, é só isso que basta. Uma pessoa que se recusa a se juntar à turba. Uma pessoa que se mantém ao seu lado mesmo que isso lhe custe caro. Uma pessoa que sussurra a verdade quando todos os outros gritam mentiras.

Aos 25 anos, Sinéad O'Connor subiu àquele palco. Uma jovem mulher lutando para proteger crianças de uma instituição que falhara em seu dever. Pagou por essa coragem com a carreira, a reputação e, para muitos, a própria vida. Mas ela jamais cessou de bradar a verdade. E décadas depois, quando o mundo finalmente lhe deu razão, era tarde demais para que ela soubesse.

Há uma lição persistente que nos recusamos a aprender: aqueles que hoje chamamos de loucos podem ser os profetas que celebramos amanhã. As vozes que silenciamos podem ser as que mais precisávamos ouvir. As mulheres que desqualificamos por serem "demais" – raivosas demais, barulhentas demais, honestas demais – talvez sejam as únicas suficientemente corajosas para dizer o que todos os outros temem.

Sinéad O'Connor rasgou uma fotografia para defender crianças. O mundo a rasgou em pedaços por isso. E quando ela precisou de um aliado, um homem ali estava.

"Não deixe que esses desgraçados te abalem."

Cinco palavras que importaram. Importam agora. E importarão para sempre.


Em tempo:
O TEXTO CONTÉM EXAGEROS NARRATIVOS, mas a história é real.

terça-feira, 18 de novembro de 2025

Jards Macalé

Meus heróis vão me deixando sozinho e triste na pista.”
(Paulo-Roberto Andel)

Jards acordou de uma cirurgia cantando “Meu nome é Gal”; bem a característica dele, alegre e de bom humor, mesmo que seu rosto dissesse o contrário; e assim ele se despediu desse planeta; cantando e feliz.

A cada ser genial como Jards Macalé que nos deixa o coração aperta. Um artista fundamental para a música brasileira. Cantor, compositor, instrumentista e inquieto criador. Macalé construiu uma obra marcada pela liberdade e pela experimentação.

Um herói quase desconhecido, que embora não goste do reconhecimento em massa de muitos de seus pares, é um pilar indiscutível da música criado através do Atlântico. Revolucionário, visionário, moderno - há muitos adjetivos para descrevê-lo.

Aquele que entrou no Hotel das Estrelas e foi ser violonista de Nora Ney e Gal Costa. Ao sair, driblou o mal secreto da besta fera, o Dragão da Maldade e os contrastes de Macunaíma no cinema, assinando suas trilhas dissonantes, ainda que seu feito mor na sétima arte tenha sido mesmo ser dublê do nosso maior super-herói, Kid Morengueira, nas cenas perigosas dos morros cariocas.

Macalé nunca foi apenas um artista, foi um gesto de resistência.

Um homem que viveu a música com uma verdade tão intensa que não cabia em rótulos, nem em modas, nem nos limites impostos pela indústria.

Compositor inquieto, cantor de voz que doía e libertava, figura central da contracultura.

Foi também opositor firme da ditadura militar (1964-1985), colocando a sua arte na linha de frente.

Ao lado de Chico Buarque marcou o histórico Banquete dos Mendigos (MAM, 1973), enfrentando a censura com coragem. E de coragem fica a sua obra, com poesia e verdade, sua arte permanecerá.

TEXTO DE:
Thiago Muniz

sábado, 15 de novembro de 2025

Dica de livro: “O lodo das ruas"

“O lodo das ruas"
Editora Sétimo Selo, RJ, 2022
Uma editora corajosa resolveu fazer o que nenhuma das grandes teve peito: reeditar a saga de Octavio de Faria, “Tragédia burguesa”, composta de 15 romances publicados entre 1937 e 1979, ou seja durante 42 anos.

Uma vida, diremos com nossos botões. “O lodo das ruas”, que acaba de sair, foi publicado em 1942 é o terceiro e aqui para nós um dos melhores. Sim, eu li todos, pois preparo sem data de finalizar um estudo sobre sua obra de ficção.

Toda família tem um momento em que começa a apodrecer” disse um dia Nelson Rodrigues, frase que cai como uma luva em nosso livro em questão, escrito várias décadas antes.

Na verdade, tirando o sarcasmo, o livro que mais se parece com “O lodo...” na minha opinião é “O casamento” o romance rodrigueano publicado (e proibido) em 1968. Dois autores católicos conservadores, mas cuja obra ultrapassa suas ideologias ultrapassadas e contém os ataques mais virulentos contra a burguesia de toda literatura brasileira. Ler para crer.

Tratamos aqui da família Paiva e sua implosão. Pai autoritário, mãe adúltera, tia carola. Cinco filhos. Três rapazes e duas moças. Teremos um desinteressado da esposa, um apaixonado pela cunhada, outro bancado por um pretendente gay, uma filha grávida solteira, outra noiva de um primo de passado pouco recomendável, dois bastardos, um suicídio. Um padre idealista que tenta ajudar e só atrapalha. Etc e tal. Cenas da vida carioca classe média na década de 1930 na Zona Sul. Os Paiva derretem como um sorvete no sol tropical.

Trata-se, portanto, de um melodrama quase dramalhão, mas não um melodrama social ou romântico como a maioria dos melodramas, mas sobre a moral católica e seu confronto com a vida real.

Com seu estilo intimista seco e implacável (que apressadinhos definem como “falta de estilo” ou “mau estilo” ou “chatíssimo”) Octavio de Faria sabe do que está falando, pois fala de sua própria classe social.

É um absurdo que o único autor importante a retratar os conflitos da classe dominante da antiga capital da república durante o Estado Novo tenha sido alijado dos nossos estudos de literatura por pruridos ideológicos ou pela simples preguiça em conhecer sua extensa obra. Fica faltando um pedaço. Nem tudo é mandacaru, acarajé ou chimarrão.

Em tempo: embora encadeados na mesma saga com personagens que transitam de um livro para outro, cada volume pode ser lido separadamente sem muito problema. Atenção. Se mesmo um anarco-agnóstico, um antípoda como eu viu todas essas qualidades, é necessário reavaliar. Tudo tem de ser revisto sempre e para sempre, periodicamente. Chegou a hora do Octavio de Faria.

O livro se encontra nos saites e livrarias para quem se interessar.

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

O Dia em que o STF Salvou o Recreio — e a República (de novo)

É preciso dizer com todas as letras: somos um país extraordinário.

Não extraordinário no sentido de admirável, mas no sentido de que nada aqui é ordinário, normal, previsível, trivial. É tudo… extra.

tanto que o Supremo Tribunal Federal — que deveria gastar seus neurônios com temas como Estado de Direito, equilíbrio entre Poderes, liberdade democrática, essas firulas — precisou, vejam só, julgar o recreio dos professores!

Sim, o recreio. Aquele intervalo entre uma aula e outra, onde alunos e professores tentam comer alguma coisa, tomar um café e ir o banheiro, antes que sino volte a tocar.

O Brasil não é para iniciantes, amadores, e ultimamente nem para profissionais.

Pois bem: algumas instituições de ensino superior, sempre muito ciosas da “gestão eficiente”, descobriram uma maneira inovadora de enxugar custos — o tipo de solução que só aparece quando gente muito criativa se reúne numa sala com ar-condicionado e café em cápsula: descontar dos professores o tempo do recreio.

Ora, claro! Por que não?

Se a lógica for essa, podemos também descontar do médico o tempo entre uma cirurgia e outra, do juiz o intervalo entre um julgamento e o próximo, do jornalista os cinco minutos em que respira fundo antes de escrever sobre uma pauta estapafúrdia como essa que estou escrevendo (e agravo: de graça).

Do jeito que vai, não tardará o momento em que algum gênio administrativo reivindique que o professor seja descontado por ficar calado durante a prova.

Mas eis que o STF, esse ente metafísico que precisa entrar em cena sempre que a realidade brasileira insiste em ser uma comédia pastelão, decidiu o óbvio: recreio faz parte da jornada de trabalho.

O professor não está de férias entre uma aula e outra. Não está em Mônaco jogando roleta, ou no Maracanã gritando Mengo!, e muito menos diante de um quartel pedindo golpes. Em geral, está vigiando corredor, atendendo aluno, preparando próxima atividade, impedindo que dois adolescentes resolvam uma divergência filosófica à base de cadeirada (né, Datena?).

O recreio, no Brasil, é mais perigoso que sessão do Conselho de Segurança da ONU.

Mas vejam a ironia: para que o óbvio fosse reconhecido como óbvio, foi preciso que o Supremo parasse para julgar…? isso mesmo: intervalos escolares.

É quase poético. A mais alta Corte do país decidindo aquilo que qualquer pessoa que já colocou os pés em uma escola sabe desde a pré-escola.

O problema, no fundo, é que o professor brasileiro virou uma espécie de entidade esotérica. Todo mundo louva. Todo mundo exalta. Todo mundo diz que sem professor não há futuro — e aí tentam descontar até o recreio. É a “pedagogia do aperto financeiro”. Uma aula prática de desvalorização profissional.

Pois bem, o STF colocou ponto final nessa ópera-bufa.

E aqui, permitam-me a ironia inevitável: ainda bem que temos o Supremo. Porque se dependesse de certas mentes criativas do Congresso, logo logo iriam sugerir que o professor só recebe quando está falando. Silêncio não remunera. Pausa não conta. Beber água é privilégio.

No mais, parabéns ao STF por mais uma contribuição inestimável à ordem constitucional do país: salvou o recreio. Faltam agora salvar o salário, a carreira, a infraestrutura e — quem sabe? — a dignidade.

Mas calma: uma coisa por vez. No Brasil, até o óbvio dá trabalho.

Detalhe final: os ministros do STF julgaram a causa sem nem mesmo, um intervalo para o cafezinho.


TEXTO DE:
alguém que já desistiu de esperar bom senso dos “gestores” da educação
Tarciso Tertuliano

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

A imprensa que só gosta de democracia quando ela é silenciosa

A boa e velha hipocrisia que tem um berço esplêndido onde sempre pode se deitar: a imprensa brasileira.

Bastou que manifestantes, entre eles indígenas e movimentos sociais, tentassem forçar a entrada na sede da COP 30, em Belém, para que o noticiário voltasse ao velho tom moralista: “vandalismo”, “ameaça à imagem do Brasil”, “problema para o governo Lula” e claro, "terrorismo".

Ora, ora. Desde quando democracia se mede por conveniência estética ou diplomática?

Protestar é um ato de soberania civil, não um problema de relações públicas. E quando o protesto vem justamente dos grupos que sustentam historicamente a luta ambiental e os direitos humanos — indígenas, quilombolas, ribeirinhos, trabalhadores —, é duplamente legítimo. Eles não são “base de Lula”; são base da democracia.

Sim, houve tensão. Sim, houve excesso. E daí? Desde quando democracia é um chá das cinco? A história é feita de embates, de disputas, de vozes que gritam quando ninguém quer ouvir. O protesto — mesmo o que extrapola — é um espelho do vigor democrático.

O que causa espanto é ver jornalistas que, durante o governo Bolsonaro, chamavam seus apoiadores de “gado” por aplaudirem cegamente todo absurdo, agora indignados porque parte da base lulista decidiu fazer o oposto: apoiar criticamente, cobrar coerência, exigir compromisso.

Há algo de doentio nessa lógica. Quando o eleitor é passivo, é “gado”. Quando é ativo, é “radical”.

Talvez essa seja a tal polarização que eles tanto insistem em nos convencer que existe.

A imprensa parece querer um eleitorado obediente, de preferência calado. Só que democracia não se faz com plateia — se faz com participação, até com conflito.

Lula, goste-se ou não, não foi eleito para ser um rei, e seus eleitores não são súditos. Quando protestam, não traem o governo; exercem o direito que diferencia cidadãos de seguidores.

É curioso ver que os mesmos que relativizaram invasões de golpistas em Brasília, chamando-as de “ manifestações de velhinhas com Bíblias debaixo dos sovacos”, agora tratam indígenas e ambientalistas como inimigos da civilização.

O peso e a medida variam conforme o interesse editorial — ou o incômodo que causa ver o povo real ocupando o espaço público.

O Brasil, anfitrião da COP 30, mostra ao mundo que sua democracia é viva — às vezes ruidosa, às vezes desconfortável, mas viva. Só os autoritários travestidos de moderados acham que o povo deve ficar quieto para não “manchar a imagem do país”.

Pois saibam: o que mancha a imagem do Brasil não é o protesto legítimo; é a hipocrisia de quem finge defender a democracia, mas só quando ela cabe no editorial de domingo.

Democracia não é um espetáculo de bons modos. É um terreno de disputas, de vozes, de críticas — inclusive às próprias autoridades que ajudamos a eleger. E, sinceramente, se a imprensa não entende isso, talvez o problema não esteja na “base de Lula”, mas na base da imprensa.


Em tempo, apesar de apoiar todo tipo de protesto pacífico e acreditar na liberdade de crítica, não acredito que a tentativa de invasão forçada a sede do COP 30, seja o caminho mais correto para alcançar os objetivos políticos.

terça-feira, 11 de novembro de 2025

Feliz Aniversário

(por Antonio Gonzalez)

Fui uma criança tímida, moldada por uma educação de disciplina e valores firmes, onde a ética era a poetisa que ensinava humildade, simplicidade, solidariedade e gratidão. Dessa mistura nasceram os princípios que me sustentam.

Nos colégios Santa Rosa de Lima e Santo Inácio, era o típico CDF — estudioso, dedicado, confiante de que o mérito nascia do esforço. Tudo parecia seguir o curso natural, até que, aos treze anos, a vida virou poesia amarga. Meus pais em crise conjugal, desquite à vista. Sofri pelos dois e lutei contra o que parecia inevitável — eu não queria ser filho de pais separados.

A timidez deu lugar à revolta. De aluno exemplar, tornei-me repetente. Caí, despenquei, e quanto mais afundava, mais me reinventava.

Em 1977, o Encontro de Casais com Cristo os reconciliou — e me devolveu outro olhar sobre a vida. Já era outro: um adolescente dividido entre o anjo e o rebelde. O anjo subia favelas levando alimento e fé; o diabo e rebelde pichava “ABAIXO A DITADURA” e saia na porrada no Maracanã. 

Aos 16 anos, cantei Pra Não Dizer que Não Falei de Cristo (versão da música do Vandré), numa missa, na Igreja de São João Batista da Lagoa e fui denunciado à repressão. Monsenhor Arlindo Thiessen me defendeu; a Irmã Divina me escreveu:

Meu menino quase homem, idealista e radical, é pra você essa canção — simples, pobre, mas de coração.

Namorei, me apaixonei e desapaixonei. Casei com quem me quis, e em 1988 o mundo me chamou.

Vivi seis anos em Madrid — intensos, sedutores, plenos de descobertas. Estudei, trabalhei numa multinacional em posto de gerência, aprendi. Voltei ao Brasil por palavra dada, mas logo o destino desatou o nó. Em 1998 me separei — tomei um merecido pé na bunda, confesso.

Vieram novos amores, ao todo cinco casamentos, novos recomeços. Fui, voltei, lutei. O Fluminense foi parte da minha alma — vivi o clube como quem ama demais, com alegrias, feridas e glórias.

A Bahia me encantou. No Esporte Clube Bahia, em 2002, vivi uma grande fase — humildemente criei o melhor programa de sócio-torcedor do país, destaque na revista Lance+. Mas o sucesso é vento: passa.

No final daquele ano voltei à Espanha. Trabalhar na noite deu-me status, as luzes, o brilho e as armadilhas me seduziram. Veio a recessão e, com ela, a falência moral. Em 2012, meu Pai, já debilitado, disse:

“Volta para o Brasil”.

Dessa vez obedeci.

No regresso, encontrei novos amigos que viraram irmãos e reconheci, nos antigos, o verdadeiro significado de traição e filho da puta.  Aprendi que a solidão pode ser um lugar sagrado.

Hoje vivo em Taubaté, convivendo com doenças que me lembram que cada dia é um presente. Não sei como estarei amanhã, mas celebro cada amanhecer. Mato um leão por dia e sigo grato.

Lembro-me de 1991, em Madrid, quando disse à Beatriz, minha primeira esposa:

Achei que não chegaria aos 30; o que vier daqui pra frente é gorjeta de Deus.

Pois já são 34 anos de gorjeta — e que gorjeta maravilhosa!

Penso nos amigos que lutam contra o Parkinson, mais jovens que eu. Oro por eles, sempre! Agradeço por ainda estar aqui.

Dentro da minha solitude, celebro a dádiva de existir.

Feliz aniversário, Gonzalez.

TEXTO DE: