terça-feira, 7 de outubro de 2025

Prisão de Bolsonaro — os limites do cárcere

A recente entrevista de José Dirceu à BBC Brasil reacende um debate incômodo, porém inevitável, no campo jurídico e no imaginário político: seria possível, ou mesmo desejável, que Jair Bolsonaro cumpra pena numa prisão comum?

Dirceu afirma que Bolsonaronão tem condições de ir para a prisão comum”, argumentando que saúde, perfil emocional e vulnerabilidade impõem que ele permaneça em prisão domiciliar.

Ele menciona que o sistema prisional brasileiro apresenta condições “péssimas”, especialmente para presos classificados como vulneráveis.

Do ponto de vista moral e humano, a preocupação de Dirceu toca em algo central: ninguém, por mais grave que seja sua condenação, deveria estar sujeito a tratamento que viole sua dignidade ou coloque em risco sua integridade física e mental. Esse é um princípio básico de qualquer Estado de Direito que se pretende civilizado.

Mas há contrapontos igualmente fortes que não podem ser ignorados.

1. Igualdade perante a lei
A ideia de que uma pessoa, por ter sido presidente, ou por um diagnóstico clínico ou psicológico, possa fugir de punições mais rigorosas ou regimes prisionais comuns toca no fundamento da impessoalidade da lei. Se o Estado de Direito valer para todos, não há regime especial com base apenas em status ou simpatias — senão corre-se o risco de criar precedentes perigosos: privilégio judicial disfarçado de cuidado humano.

2. Segurança jurídica e precedentes políticos
A sociedade demanda que políticas de responsabilização sejam consistentes. Se Bolsonaro não for levado ao cárcere comum pelo motivo de sua saúde ou de instabilidade emocional, isso pode ser interpretado como uma concessão política e servir de argumento para que outros também pleiteiem escapatórias semelhantes. Em sistemas democráticos, a clareza e previsibilidade da justiça são tão importantes quanto sua imparcialidade.

3. Realidade prisional brasileira
Dirceu tem razão ao destacar as precárias condições do sistema penitenciário. A superlotação, a falta de estrutura médica e de segurança, o controle do crime organizado dentro de cadeias — tudo isso compõe um cenário que torna intolerável a simples transferência de qualquer preso, vulnerável ou não, a determinados presídios. Mas também é verdade que há regimes de progressão, triagem, unidades especiais, enfim, escalas de custódia que variam, e diante das quais pode haver caminhos intermediários: não necessariamente a prisão comum como forma bruta e desassistida.

4. A função punitiva e a mensagem social
Punição não é só retribuição por erro: ela tem função simbólica. Há uma dimensão de justiça social que exige que crimes graves, especialmente os que afetam o Estado, a democracia ou a ordem constitucional, tenham consequências visíveis para o autor. Se o cumprimento da pena for percebido como “leva e traz domiciliar”, ou regime leve demais, pode haver erosão da confiança pública no Estado.

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A entrevista de Dirceu está no cerne de dilemas essenciais: entre dignidade humana e igualdade diante da lei, entre saúde individual e responsabilidade pública.

Se Bolsonaro será ou não encarcerado em regime comum — ou se continuará em prisão domiciliar — dependerá tanto de decisões judiciais quanto de critérios médicos e legais bem fundamentados.

No fim das contas, o ideal seria que o sistema de justiça brasileiro fosse capaz de garantir justiça real: responsabilização firme e procedimentos compatíveis com os direitos humanos.

Há espaço para um meio-termo que preserve a dignidade, mas também assegure que ninguém, por posição ou por poder, fique acima dos rigores básicos da lei.

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