domingo, 30 de novembro de 2025

Até Breve, Paulo Andel

por Antonio Gonzalez

Fito Cabrales, do FITO Y FITIPALDIS, canta em Antes que Cuente Diez:

Puedo escribir y no disimular, es la ventaja de irse haciendo viejo

O tempo nos escapa, dissolve o sentido horário, apaga a noção dos anos vividos.

Vivemos numa era em que a imprensa PONTOCOM celebra separações — MC Poze do Rodo e Vivi, Ivete Sangalo e Daniel, Gilmar Mendes e Guiomar — enquanto a cultura agoniza.

O que isso me acrescenta? Nada. 

Não me culpem por não me importar com tempestades na Venezuela, cancelamentos de influencers, ou o fracasso cíclico da Rússia contra a Croácia. A vida envelhece rápido, e hoje perco mais do que ganho.

Joaquin Sabina disse em 19 Días y 500 Noches:

Y el portazo sonó como un signo de interrogación

No meu caso, foi um telefonema. 

Do outro lado da linha, o GENTLEMAN, Raul Sussekind: “Mestre, infelizmente...”. 

O silêncio rasgou. As lágrimas vieram. Eu sabia do grave estado do Paulo Andel, mas cada dia de internação ainda sustentava uma esperança frágil. 

Pensei: “Puta que pariu, perdi meu irmão!”.

Conheci Andel no segundo semestre de 2014, após um desentendimento com o então colaborador Caldeira – hoje desterrado.

Fervi.

Então recebi no Facebook uma carta do Paulo, um texto apaixonante pedindo que eu não partisse pra porrada.

 Aquelas palavras me conquistaram. A partir dali nasceu algo maior que amizade: um irmão de .

Sabia da minha trajetória nas arquibancadas dos anos 70 e 80 como poucos. Dizia que eu era seu ídolo, o que me deixava ruborizado. Defendia minha história e minha ética.

Divergíamos vez ou outra — “porra, você com esse costume de crucificar fulano” — por vezes acabava reconhecendo, mesmo que anos depois.

De cultura ímpar, transitava por literatura, música, futebol de botão e Fluminense como quem joga no escrete mundial.

Mas, como escreveu Nando Reis em Relicário:

O mundo está ao contrário

e ninguém reparou

Numa sociedade repleta de filhos da puta, falta espaço para alguém com tua dignidade. E, dessa vez, o “no balanço das horas tudo pode mudar”, da Banda Metrô, não funcionou.

Teu legado ultrapassa os livros publicados. Vive nos meus amigos Couceiro, Edgard, Raul, Cláudia Barros, Silvio, Marcelo Diniz, Jocemar, Thiago Muniz, Tarciso, na galera do Panorama Tricolor que você me apresentou, e no nosso querido e inigualável Conde Don Francisco da Zanzibar.

Este texto é um até breve. Minha saúde também pede arrego. Sinto. Pressinto.


###


Três coisas antes do fim:

a) Você merecia um presente histórico na sua partida: 6 a 0 no São Paulo;

b) O Fluminense lembrou de você, fez uma nota — você me conhece, ponto para Mário Bittencourt; contra o Bahia, tua foto estará no Maracanã;

c) Na dedicatória do "Fla-Flu: o jogo que nunca termina" você escreveu: “Ao meu irmão, ídolo, parceiro, escudo das arquibancadas”. Isso me emociona todos os dias.


###


Continuarei te representando: serei teu fiel escudo das arquibancadas.

A foto do Silvio Almeida nos define como irmãos.

Te amo. Até breve.

Antonio Gonzalez

sábado, 29 de novembro de 2025

Dez motivos para não perdoar Bolsonaro

(Com o devido enquadramento jurídico, para evitar recaídas civis)

De vez em quando, algum espírito iluminado — talvez tomado por um surto de romantismo constitucional — pergunta:
Mas não está na hora de perdoar Bolsonaro?

A resposta, meus caros, exige o rigor mínimo da análise jurídica, ainda que temperada com ironia: não, não está.

E não por ressentimento, mas por um motivo simples: há condutas que, mesmo que um dia venham a ser julgadas — e algumas já estão — não cabem no campo místico do perdão barato.
Vamos aos fatos — ou, se preferir, ao hall of infame de infrações éticas, morais e, em certos casos, legais.

1. A omissão dolosa na pandemia

Art. 13 do Código Penal: quem podia evitar o resultado e não evitou, responde por ele.
No caso, a opção foi não apenas deixar de evitar: foi sabotar.
Perdoar? Seria premiar o “E daí?” como tese jurídica.

2. A guerra santa contra a ciência

O art. 37 da Constituição exige eficiência na administração pública.
Substituir ciência por cloroquina é o oposto disso — é ineficiência qualificada.
Não há perdão possível para quem tenta resolver uma pandemia com achismo de botequim.

Fora o crime de charlatanismo previsto no Código Penal (art. 283).

3. As mortes transformadas em planilha fria

O princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) virou figurante enquanto vidas eram tratadas como métricas.
Pode-se absolver alguém que reduziu pessoas a estatísticas?
Não sem violentar a Constituição — novamente.

4. Racismo, homofobia e misoginia como método

Racismo é crime inafiançável e imprescritível (art. 5º, XLII).
Homofobia foi equiparada ao mesmo tratamento pelo STF.
E misoginia? Entra no pacote da discriminação.
Chamar tudo isso de “brincadeira” é insulto — e péssima tese de defesa.

5. Glorificação da violência e do torturador

O Brasil tem tratados internacionais que proíbem a tortura.
E lá estava o ex-presidente fazendo elegia aos torturadores.
Perdoar seria repudiar o sistema jurídico brasileiro só para agradar a nostalgias autoritárias.

6. O flerte permanente com o autoritarismo

Incitar golpe é violar o art. 5º, XLIV — crime inafiançável.
E ainda fez isso com a competência de quem tenta invadir o próprio Facebook achando que é senha de Wi-Fi.
Difícil perdoar inclusive pelo ridículo.

7. A fabricação industrial de ódio político

O discurso de ódio, quando praticado por agente público, lesa não apenas pessoas — lesa o Estado Democrático de Direito.
E alguém quer perdoar quem fez do ódio uma política de governo?
Se quiser, peça também a revogação da Lei de Improbidade, para combinar.

8. A fé transformada em cabo eleitoral

E esse item me aflige diretamente, pois sou cristão evangélico há anos.

A Constituição separa Estado e religião (art. 19, I).
Bolsonaro misturou púlpito com comício como quem mistura café com açúcar, com a cumplicidade de péssimos pastores.
Perdoar seria legitimar a quebra do Estado laico com recibo.

9. O sequestro da ideia de nação

Confundir governo com país viola o próprio espírito republicano (art. 1º, caput).
Para Bolsonaro, quem discordava não era adversário — era inimigo.
E inimigo, na lógica dele, não é cidadão.
E cidadão sem cidadania é um problema jurídico dos bons.

10. A ausência olímpica de arrependimento

O Direito Penal até admite arrependimento eficaz.
Mas para isso é preciso haver arrependimento.
No caso, há apenas recaídas discursivas, tentativas de golpe e passeios estratégicos ao redor do sistema judicial.
Perdoar quem não se arrepende é transformar perdão em erro material.

Conclusão jurídica e moral

Perdão não é uma abstração mística.
É uma categoria ética que pressupõe consciência da culpa.
E, até o momento, Bolsonaro não demonstrou consciência, culpa ou sequer constrangimento.

Perdoá-lo exigiria reformar o Código Penal, relativizar a Constituição, ignorar tratados internacionais e suspender a lógica.
E ainda assim, o resultado seria duvidoso.

Portanto, se algum dia você sentir a tentação de perdoar Jair Messias Bolsonaro, lembre-se:
nem a lei permite tanto zelo com quem tratou o país como laboratório de devastação.


SEM ANISTIA

De Eunice Paiva a Michelle Bolsonaro: Quando a história ensina com duas visitas a diferença entre Ditadura e Democracia

Por João Guató - Comparando a dor silenciosa da ditadura com o chororô fotogênico permitido pela democracia.
Há ensinamentos que a história entrega com sutileza; outros, com estardalhaço.

E há aqueles que ela nos esfrega na cara, como quem diz: “Meu filho, não force. É só olhar.” O curioso é que, mesmo assim, tem gente que fecha os olhos com a mesma convicção de quem acredita que a Terra é plana, mas só no hemisfério de Brasília.

Pensemos em Eunice Paiva.

Ela atravessou o país, o tempo e o silêncio atrás de um marido que a ditadura arrancou de sua casa como quem puxa uma tomada da parede: brusco, impessoal, sem explicação — e, sobretudo, sem devolução. Eunice buscou um rosto, um corpo, uma pista… encontrou uma ausência. A ditadura tem dessas delicadezas: não devolve nem o aperto de mão.

Corta para Michelle Bolsonaro. Boné branco, expressão calibrada, choro técnico digno de novela das nove. O marido também foi preso — eis a coincidência — mas aí começa o descompasso histórico.

Na democracia, ela foi visitá-lo no dia seguinte, com direito a escolta, câmeras, registro oficial e talvez até um “força, meu amor” estrategicamente sussurrado para o efeito sonoro.

Enquanto Eunice buscou por décadas sem achar, Michelle buscou por vinte e quatro horas e encontrou. O que separa essas duas jornadas não é só o tempo. É o regime. É a luz. É a simples diferença entre um Estado que engole pessoas e outro que apenas as guarda por um tempo — com recibo, protocolo e horário de visita.

Mas tente explicar isso aos devotos do Bolsonaro. Eles falam da ditadura como quem fala de um amor de infância que nunca existiu: “Ah, mas naquela época era tudo organizado.

Era sim: organizado para desaparecer gente. Organizado para que Eunice Paiva jamais tivesse sequer o direito de se despedir.

É por isso que a imagem dessas duas mulheres, colocadas lado a lado, vale por mil discursos. De um lado, a dor silenciosa imposta por um regime que proibia até a última pergunta. Do outro, o chororô fotogênico permitido por uma democracia que, veja só, permite até que falem mal dela.

E para completar esse desfile de contradições, ainda aparecem — com a convicção típica de quem estudou História numa figurinha de WhatsApp — os militantes da saudade autoritária gritando pela volta da ditadura militar.

Esses mesmos que, ironicamente, só podem gritar isso porque… a democracia deixa.

Aí, quando o STF aplica a lei, investigando quem tentou brincar de golpe como se fosse festa junina fora de época, eles têm a pachorra de berrar:
Ditadura do STF!

Ditadura onde, meu filho?
Naquela mesma instituição onde ministro vota, diverge, discorda, debate e publica decisão para todo mundo ler?

Ditadura é o que levou Eunice Paiva a procurar o marido por décadas sem nunca receber uma resposta — nem viva, nem morta.

Se isso aqui fosse ditadura de verdade, o máximo que vocês teriam hoje seria o silêncio… e talvez uma caminhonete preta na porta, sem placa, sem live, sem hashtag.

Mas não: vocês têm celular, internet, rede social, advogado, habeas corpus e ainda a ousadia de fazer cosplay de perseguido político com camisa da seleção e milkshake na mão.

É por isso que eu digo:
sonham com a ditadura como quem sonha com um parque de diversões — porque nunca tiveram de pagar o ingresso da tragédia.

E como a história é teimosa, segue ensinando:
ditadura é quando até o choro é proibido;
democracia é quando até quem delira tem direito a voz.

E mesmo assim… eles reclamam.
Aí já não é só falta de noção —
é alucinação cívica em grau avançado.

E no fim das contas, a pergunta que fica é simples, quase infantil:
Se democracia e ditadura são “a mesma coisa”, por que Eunice perdeu o marido para sempre, enquanto Michelle o encontrou na manhã seguinte?

Mas aí, meus caros, já entramos no terreno arenoso da lógica — esse solo que tantos evitam pisar para não deslizar nas próprias certezas.

E assim a história, paciente e sarcástica, continua ensinando:
há quem não aprenda porque não sabe; e há quem não aprenda porque não quer.

TEXTO DE:
João Guató

Paulo Andel por Jocemar

Virou estrela...

Conheci Paulo, há mais ou menos 30 anos, nos campeonatos de botão dos quais participávamos, no corredor subterrâneo do Edifício Edson Passos, na Av. Rio Branco, organizados pelos amigos da Livraria Berinjela e que aconteciam um domingo por mês. 

Fazíamos o clássico Flu × Flu, como costumávamos dizer. Ao contrário da maioria dos jogos das outras mesas e de outros amigos, o nosso era tranquilo, quase um amistoso e praticamente não precisava de juiz.

Ele me venceu na maioria das vezes. Jogava muito com seu time de botões simples, assim como ele. Espalhava os pequenos jogadores pela mesa, sem muita arrumação (sem papagaiada...). Jogava muito. Uma precisão absurda nos disparos. Às vezes eu levava meu filho, na época com 7, 8 anos. Por conta disso, mais tarde, meu filho foi personagem de uma crônica sua, no livro "Cenas do Centro do Rio I".

Ficamos amigos desde então. Fomos a shows juntos. Tomamos muitos cafezinhos pelo Centro do Rio, garimpamos CDs juntos, compartilhamos muitas histórias e cenas que virariam crônicas, minhas e principalmente dele. Ele chegou a publicar uma crônica minha no Blog "Otras palabras" e sempre me incentivou a escrever. Era generoso em sua crítica. 

Fomos a muitos jogos do Flu, no Maraca. Vibramos muito e sofremos demais nos anos e jogos que antecederam o milagre de 2009 - jogos que gerariam as crônicas de seu livro "Do Inferno ao Céu". Fiquei tão entusiasmado com o livro, que fiz um cordel, de 180 versos, em 30 estrofes, com o mesmo título em homenagem. Ficamos muito amigos.

Em 2017, Paulo me propôs abrirmos um Sebo juntos. Conversamos sobre o tema por quase dois anos e em fevereiro de 2019, juntamente e com o auxílio luxuoso do querido amigo Silvio Almeida, apresentado a mim por ele, abrimos o Sebo X, no espaço disponibilizado pelo Silvio, e onde funcionava seu estúdio fotográfico.

Sebo e Estúdio se espremiam e assim começou essa página da nossa história e convivência. Livros, CDs, LPs, ensaios de fotos, pockets shows, palestras, lives do Panorama (com a bandeira sobre a mesa). Rolou de tudo. Até meu filho, aquele da crônica, agora um homem, tocou lá, numa série de shows solos.
 
Pois é... foi muita coisa que aconteceu, muita gargalhada, trabalho, alegrias, tensões, vitórias, derrotas, cansaço, resenhas, planos, conquistas, grandes amizades... Amigos que saíram, outros que chegaram...

Hoje, com a notícia de sua partida no áudio do querido e incansável Raul, no Sebo ficou um imenso vazio. Sentei, respirei, lembrei dele, levantei e meio incrédulo, sem olhar para suas coisas espalhadas pelos cantos da sala, fechei o Sebo e saí.

Parei na portaria e falei com os porteiros, que gostavam muito dele. Fui até o seu prédio e comuniquei o ocorrido ao porteiro Maurício, também tricolor, de quem Paulo gostava muito também.

Maurício ficou com os olhos vermelhos ao receber a notícia. No trajeto do Sebo X até o prédio onde nosso já saudoso amigo morava, falei com minha mulher, com Silvio, com o tambbém querido Marcelo Diniz, com dois amigos da loja de CDs vizinha do sebo. A voz estava embargada. Na verdade eu queria mesmo era andar, pegar um ar de frente no rosto.

Agora, é tocar em frente, pois afinal a vida tem que seguir, mas não haverão mais os pastéis com laranjada da "Chic", no Saara (Paulão comia sempre dois), o garimpo de fim de tarde no Olivar, na entrada do Metrô da Carioca, o cachorro de linguiça no Gaúcho, no Largo do Lume, ou o joelho (italiano) da Húngara, da Estação do Metrô Carioca. A próxima segunda vai ser barra pesada...

Ontem, resolvi passar na UPA onde estava internado, antes dele ser transferido para o hospital onde iria dar seu último suspiro hoje. Ali, nos despedimos sem palavras.

No dia 28/11, mesma data em que, há 49 anos atrás perdi meu avô, meu amigo se foi, meio assim como seu pai, que partiu no dia da grande vitória do Flu sobre o São Paulo na Libertadores de 2008. A vitória de ontem foi pra ele, esse tricolor apaixonado, maior escritor publicado e dedicado à história do nosso amado Fluminense.

É isso...
Andel agora virou estrela, que brilhará pra sempre lá no céu. 

Descanse em paz, meu amigo!

TEXTO DE:
Jocemar

sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Paulo-Roberto Andel

Ideologia eu quero uma pra viver…” (Cazuza)

Paulo-Roberto Andel, nascido em 1968; no ano da dura repressão da ditadura militar no Brasil, um ano atípico de vários movimentos pelo mundo, dentre eles: Os Panteras Negras e o banimento dos atletas vencedores dos 100 metros rasos nas Olimpíadas da Cidade do México com o gesto de punho cerrado e braço para o alto; o movimento estudantil na França, manifestações contra a Guerra do Vietnã, a instauração do AI-5 no Brasil e o assassinato de Martin Luther King Jr.

A efervescência cultural, com movimentos como a Tropicália no Brasil, também foi um reflexo das mudanças e tensões da época.

Andel nasceu em um ano de caos, mas foi criado com muito amor por sua mãe, sobre quem ele já contou várias histórias engraçadas, e recebeu do pai tudo o que ele pôde lhe prover.

Andel foi um arrimo de família e isso não é nenhum demérito, foi líder de escotismo, é um torcedor fanático pelo Fluminense e hoje se tornou o escritor com mais publicações sobre o clube, e isso é um fato.

Um apaixonado por jazz e muito conhecedor da cultura pop; por pouco não se tornou VJ da minha querida finada MTV Brasil. Um homem que honrou seus pais até seus últimos segundos de vida, não largou a mão de nenhum dos dois, um filho extremamente leal.

Como tenho admiração pelo Paulo, não é só um amigo mas uma referência cultural e editorial.

Me vejo há exatamente dez anos atrás no longíquo 2015 publicando o primeiro texto no Panorama Tricolor sobre 1969 e a relação com a música “Aquele Abraço” do nosso orixá em Terra Gilberto Gil e até então o septuagésimo texto sobre o falecimento do querido Celso Barros.

Como o meu texto evoluiu bebendo da fonte Paulo-Roberto Andel, o quanto sou grato por tê-lo em minha vida; um cara agregador de tribos distintas e consegue unir num só propósito: o Fluminense.

Para quem não sabe, Andel é ateu; mas dessa vez vou ignorar esse detalhe e rogar aos deuses, anjos e aos orixás que o acolham para a sua recuperação da melhor maneira possível. E também dizer que não está só; tem uma rede de amigos que te amam e querem o seu bem pois ele pratica o bem.

Sigamos na fé! 


TEXTO DE:

Thiago Muniz


NOTA:

No momento deste texto, Andel está sob tratamento de saúde.

quarta-feira, 26 de novembro de 2025

A saúde entre a cruz e a espada

por Antonio Gonzalez
Na reta final, esse 2025 tem sido um campo de provas – físico, emocional e social.

Falo em primeira pessoa porque a vida, vez ou outra, cobra seu preço sem pedir licença. Janeiro me recebeu com um princípio de pneumonia. Entre o final de maio e o início de julho, perdi 12,9 quilos. Uma infecção urinária violenta, acompanhada de Covid, deixou meu corpo parecido com um cadáver ambulante – e minha cabeça, exausta de lutar.

Quando enfim a cirurgia de próstata foi aprovada, os exames pré-operatórios me deram uma sentença: a diabetes, fora de controle, impediria a mesa cirúrgica. A cicatrização seria um convite ao caos. De agosto para cá, essa mesma diabetes ganhou apetite tecnológico, exigindo insulinas de ponta para manter o mínimo de ordem no organismo.

Enquanto isso, a vida não poupou os meus. O Aieta e minha irmã travaram batalhas duras com suas tireoides – e vieram as cirurgias. 

Meu irmão Paulo Andel enfrenta um momento gravíssimo, desses que tiram o sono dos amigos mais fortes. 

Da Espanha, chegam notícias duras sobre minha sobrinha Alba Maria, que talvez precise colocar uma placa metálica na coluna cervical.

Puta que pariu!

Cada dia uma cruz, cada noite uma espada. O emocional grita por um sopro de paz.

E tudo isso acontece num Brasil que parece brincar com o próprio futuro. A política expõe o país dividido entre os interesses das classes dominantes – aquelas que acreditam que a vida é um vale-tudo onde vale tudo – e aqueles que ainda defendem um senso democrático de pertencimento, de evolução coletiva, de responsabilidade com o outro.

A violência cresce como mato em terreno abandonado. Mas não se combate desigualdade, crime e abandono apenas encarcerando a base da pirâmide. Cadeia não pode ser destino exclusivo dos soldadinhos de comando. É preciso mirar o topo: quem financia, quem importa drogas e armas, quem lucra com o caos e, muitas vezes, se abriga sob mandatos políticos bem vestidos.

E isso nos traz ao Fluminense, onde a política interna também revela suas próprias sombras. A eleição se aproxima e minha leitura é direta: Ademar Arraes não representa a linha ideológica de Júlio Bueno – linha que ele próprio jamais apoiou. Montou uma chapa que, em caso de vitória, implodirá em vinte pedaços no dia seguinte. Só não vê quem desconhece o tabuleiro e o artesanato político de Jackson Vasconcelos.

Cazuza cantou em “Boas Novas” que viu a cara da morte – e ela estava viva. Eu também vi. E digo: que se foda a morte. Estou vivo. E oro diariamente para que o Paulo Andel também a mande se foder, com a mesma força.

O número da chapa de Ademar é 30.

Trinta foram as moedas que Judas recebeu para trair Jesus Cristo.

O fake LOUCO DA CABEÇA personifica essa candidatura. A ira que ele plantou denuncia sua verdadeira natureza. E, como o Iscariotes, caminhará a passos largos em direção à própria forca, empurrado pelo ódio que cultiva.

Já houve quem acreditasse, no Fluminense, que bastava trocar Gil Carneiro de Mendonça por Álvaro Barcellos. Erro histórico. Não se constrói futuro trocando apenas nomes, nem reduzindo o clube a ressentimento, truculência e mediocridade.

O Fluminense não pode ser pensado entre a cruz e a espada. Nunca. Se algo está errado, grite. Denuncie. Participe. Apresente propostas reais. Mas vote com inteligência, com responsabilidade histórica e com espírito coletivo.

Porque, no fim das contas, isso também é saúde. Saúde institucional, emocional, social – e de um clube que pertence a todos nós.


TEXTO DE:

Antonio Gonzalez

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Demens Bolsonaris

Vestir o preso com camisa de força; obrigá-lo a permanecer durante horas algemado ou amarrado em camas ou macas; manter o preso por muitos dias com os olhos vendados ou com um capuz enfiado na cabeça; mantê-lo sem comer, sem beber e sem dormir; confinar o preso em cubículos; isolar o preso; acender fortes refletores de luz sobre ele.

Estas foram algumas das técnicas de tortura empregadas pela ditadura brasileira com efeitos diretos na esfera psíquica dos presos políticos, “tais como alucinações e confusão mental”, conforme assinalado no relatório final da Comissão Nacional da Verdade.

Que nem a “geladeira”, descrita assim na carta de presos políticos em São Paulo à OAB:

O preso é confinado em uma cela de aproximadamente 1,5 m × 1,5 m de altura, baixa, de forma a impedir que se fique de pé. A porta interna é de metal e as paredes são forradas com placas isolantes. Não há orifício por onde penetre luz ou som externos. Um sistema de refrigeração alterna temperaturas baixas com temperaturas altas fornecidas por um outro, de aquecimento. A cela fica totalmente escura na maior parte do tempo. No teto, acendem-se às vezes, em ritmo rápido e intermitente, pequenas luzes coloridas, ao mesmo tempo que um alto-falante instalado dentro da cela emite sons de gritos, buzinas e outros, em altíssimo volume. A vítima, despida, permanece aí por períodos que variam de horas até dias, muitas vezes sem qualquer alimentação ou água”.

Pela “geladeira” passou, por exemplo, Tito de Alencar Lima, o Frei Tito, que, “alucinado, suicidou-se num convento da França, porque, a todo o momento, ele via a figura sinistra do Fleury”, nas palavras do ex-preso politico Clóves de Castro ditas em sessão da Comissão Municipal da Verdade de São Paulo.

Pelo menos 22 presos políticos foram internados pela ditadura em manicômios após serem submetidos a torturas. Um deles, o jornalista Paulo Roberto das Neves Benchimol, começou a ouvir vozes parecidas com as dos agentes que o torturam na Ilha das Flores. As vozes diziam que ele estava de volta às mãos do diabo.

Filho de Dermi Azevedo, jornalista perseguido e preso pela ditadura, Carlos Alexandre Azevedo foi torturado pela equipe do diabo — o sinistro delegado Fleury — quando tinha apenas um ano e oito meses de idade. Ele disse o seguinte em uma entrevista à IstoÉ em 2010: “Para mim, a ditadura não acabou. Até hoje sofro os seus efeitos. Tomo antidepressivo e antipsicótico […] Talvez, com um pouco de sorte, eu consiga recomeçar. Mesmo estando com 37 anos”.

Três anos depois, com 40 anos, Carlos Alexandre se matou com uma overdose de medicamentos.

Que não se atrevam, certos portadores de CRM, de OAB e de credencial da Folha de S.Paulo; que não venham com “certa paranoia causada por medicamentos”, “vozes saindo da tornozeleira”, “alucinações causadas por pregabalina misturada com sertalina”. Não depois da “cura por hidroxicloroquina”. Não para encobrir patente tentativa de fuga — com maçarico, com tudo — de defensor da ditadura, fã de torturador e condenado por tentativa de golpe de Estado.

Artigo publicado no Come Ananás sob o título "Sabe o que causa alucinações?".

domingo, 23 de novembro de 2025

Entre o Voto e a Joelheria

por Antonio Gonzalez
Em julho de 1993, no tatame do Gymnásio Nova, em Alcobendas, Madrid, preparava-me para um combate que nunca aconteceu.

Uma ruptura total dos ligamentos do joelho direito, desgarro de cartilagem e meniscos estilhaçados decretaram meu afastamento.

Como estava prestes a voltar ao Brasil, adiei a cirurgia.

Desde então, tornei-me inseparável de uma joelheira Robocop — cheia de guéri-guéri, mas sem nenhuma eletrônica.

Hoje, entre as armadilhas da minha diabetes descontrolada, o país em convulsão por causa de um aparelho de solda e a eleição que se avizinha no Fluminense, cada passo no tatame da memória me devolve à velha parceira metálica.

A joelheira, afinal, é símbolo de esforço; a tornozeleira eletrônica, não. Esta nasce da esperteza torta, e diante dela a lei não tem parentesco.

Eleições exigem voto, e eleitos são filhos legítimos das escolhas. Debates não podem ser reduzidos a birra de fígado. Quem ri da tragédia alheia não merece defesa: atletas usam joelheiras porque lutam; já tornozeleira é assinatura de quem perdeu o caminho.

A alternância de poder é saudável — quando carrega qualidade e peso. Mas a história brasileira adora suas ironias.

Em 1982, o trabalhismo fluminense oscilou entre Agnaldo Timóteo e Cacique Juruna.

O primeiro levou mais de meio milhão de votos; o segundo, 31 mil. Ambos se tornaram Deputados Federais.

Em 1988, o Macaco Tião quase virou prefeito com 400 mil votos. 

Somos jovens, avisou Belchior pela voz de Elis: e há perigo na esquina.

Em 2010, o frágil Peter Siemsen ascendeu a mandatário do Fluminense graças à Flusócio, ao Ideal Tricolor de Ademar Arraes (coordenador da campanha com Jackson Vasconcelos) e à Tricolor de Coração.

Reza a lenda que o próprio Ademar trouxe a Confraria do Garoto para tocar “Se gritar pega ladrão” na visita de Carlos Lupi, então Ministro do Trabalho, convidado de Júlio Bueno, o outro candidato. 

Peter foi reeleito em 2013 com a mesma base e trouxe o desconhecido Pedro Antônio. Em ambas gestões, o escritório de Mario Bittencourt prestava serviços ao clube. E o Jackson Vasconcelos era dono de procurações ilimitadas dadas pelo velejador.

Pois bem: o rito das tornozeleiras eletrônicas na boca do povo coincide com a eleição tricolor nas bocas dos nossos torcedores.

De um lado, temos o Mattheus Montenegro apoiado por pedaços daquela Flusócio e daquela Tricolor de Coração. Do outro, Ademar Arraes — com fragmentos da mesma Flusócio, o velho Ideal Tricolor (grupo pelego por natureza) e o que sobrou da Tricolor de Coração (inclusive com figuras – Monteagudo, Mitke, Branco - que deram suporte ao Mário em 2019).

Isso sem falar no Pedro Antônio que não votou contra as contas de 2016 do Peter.

Chamar isso de oposição é fantasia. São pais legítimos do "Novo Fluminense” surgido com Peter. Há anos vivemos um samba de uma nota só. Só não enxerga quem desconhece os subterrâneos do Dom Hélio e do Bar do Tênis, ou quem ainda acredita no coleguismo do poder.

A verdadeira oposição? Essa ficará em casa ou votará nulo.
No meu caso já decidi: Eu voto em quem usa joelheira.


TEXTO DE:
Antonio Gonzalez

A Grande Queda e o Pequeno Homem, o Evangelho Segundo o Fanatismo

Existem fins melancólicos e existem fins anunciados. Esse inevitavelmente seria um deles.

O fim da carreira política de Jair Bolsonaro — aquele tipo raro de epílogo que mistura tragicomédia, decadência e um certo perfume de coisa esquecida no fundo da geladeira. Não porque tenha sido brilhante um dia, mas porque, mesmo entregue ao mofo, ainda tem quem o abra, cheire e diga: “hum… acho que ainda dá pra usar”.

E aí entra um capítulo que merecia estudo antropológico: a fidelidade evangélica a Bolsonaro — não a Fé, veja bem, mas essa devoção política travestida de espiritualidade, como se o Messias errado tivesse subido ao púlpito.

Porque há algo de extraordinário, quase poético, no fato de que um político que fez carreira com grosseria, afronta e beligerância — e que nunca demonstrou, nem por acidente, um único "fruto do Espírito" — tenha sido convertido em ídolo justamente por aqueles que, teoricamente, deveriam reconhecê-los de longe. Mas a ironia da história trabalha em horário reduzido e nem sempre avisa antes de bater o ponto.

Some-se a isso outro ingrediente robusto: o ódio visceral a Lula (e tudo que ele representa), que sempre foi menos teológico e mais sociológico — um ressentimento de classe embrulhado em versículos, uma rejeição à figura do retirante nordestino que ousou sentar-se à mesa dos bem-nascidos e viver para contar a história.

É curioso: muitos desses templos pregam que Deus exalta o humilde, mas torcem o nariz quando o humilde ousa ser presidente.

Preferiam, claro, um homem “rude” no comportamento, mas alinhado com os códigos estéticos e sociais que confortam certos púlpitos.

E assim, enquanto Lula era demonizado não por causa de doutrinas, mas por causa de sua origem — o nordestino, o torneiro mecânico, o pobre que não pediu licença ao imaginário das elites sacralizadas — Bolsonaro era canonizado exatamente por aquilo que deveria ser motivo de repúdio cristão: a agressividade, o sarcasmo, o desprezo pelo oprimido, a política da ofensa como método.

Bolsonaro é um reflexo de espelho das lideranças evangélicas do Brasil.

Quando a maioria esmagadora dos pastores se colocam diante do espelho, o reflexo que surge é ódio as outras religiões, ódio a negros travestido de "teologia" (que reflete nas manifestações religiosas dessa raça), ódio à mulher, relativização do estupro (geralmente inocentando o homem e culpando a vítima pelo ato).

Com a derrocada final, vê-se uma procissão de justificativas.

Pastores que ontem diziam “ungido de Deus” hoje murmuram “perseguido”, “injustiçado”, “guerreiro espiritual”.

A cada escândalo, a cada passo rumo ao abismo jurídico, a cada demonstração de pequenez moral, surgem sermões improvisados para tentar manter de pé aquilo que já apodreceu por dentro — como se fosse possível reanimar múmia soprando versículos dentro dela.

E no entanto, quem deveria oferecer luz aceitou a confortável sombra do ódio. Quem deveria consolar escolheu inflamar. Quem deveria separar César de Deus preferiu misturar tudo e vender o combo na Black Friday da Fé.

Tudo para manter o controle sobre os fieis. Inclusive, manter o discurso de manipulação da imprensa e da conspiração satânica contra o escolhido. O que antes era um plano de Deus para o país, virou uma luta espiritual do bem contra o mal.

Claro, tudo um teste de Fé de Deus que precisa saber até onde o crente pode ir para provar sua Fé. Como onisciente, Ele até sabe, mas por algum capricho divino, gosta de brincar com essas situações.

A verdade — incômoda, inevitável, cristalina — é que a igreja evangélica institucional, em grande parte, falhou.

Falhou não por apoiar um político, mas por aceitar ser guiada por ele.

Falhou ao transformar preconceitos sociais em dogmas espirituais. Falhou ao confundir ressentimento com revelação e classe social com santidade. Falhou ao alimentar animosidade e chamar isso de discernimento.

E Bolsonaro?

Ah, Bolsonaro vai chegando ao fim como sempre viveu: pequeno, ruidoso, cercado de confusão e de um punhado de fanáticos que confundem carência emocional com patriotismo.

A carreira dele não termina com dignidade porque nunca começou com ela. Uma biografia não pode desaguar em grandeza quando nasceu de miudezas.

E à boa parte da igreja cabe agora encarar o espelho — não o do culto, aquele que só reflete o que convém, mas o real — e admitir que confundiu o Messias com o mensageiro do caos (e apesar das evidências preferiu caminhar com o segundo).

Que escolheu o escândalo em vez do evangelho. E que, se continuar assim, arrisca transformar o púlpito num monumento à própria cegueira.

Porque, ao fim das contas, a ruína de Bolsonaro é dele.
Mas a cumplicidade… essa é de quem o aplaudiu.

sábado, 22 de novembro de 2025

É hoje o dia... da Alegria!

Gente… eu vou falar… kkkkk

Que delícia de dia.

Mas me pego agora lembrando da prisão de Lula. Aquele mundaréu de gente. Ele dizendo que iria se entregar e provar sua inocência.

Mas se, naquele momento, ele pedisse ao povo que lutasse… ninguém pensaria duas vezes. Foi preso. E foi solto. Inocentado. Se candidatou novamente e venceu. 

Hoje vejo um Bolsonaro que parece um rato. Abandonado a própria sorte e vítima da burrice de seus próprios filhos e meia dúzia de pessoas que o dinheiro ainda pode comprar.

Se fazendo de coitado e vítima das circunstâncias, como se planejar um ataque à democracia de um país não fosse nada demais.

Ele e seus cupinchas militares me trazem à memória alguns episódios de Os TrapalhõesNão fazem nada direito.

Tentou tirar a tornozeleira. Queria fugir. Não tem vergonha na cara. Planejou assassinatos, golpes, proferiu palavras e deboches que fizeram doer mais ainda em quem já estava em carne viva por causa da pandemia.

Apesar de acreditar muito em karma, sempre achei que as vezes ele demorasse um pouco pra bater na porta de quem deve ser cobrado. Dessa vez foi rápido.

Deve ser a tal justiça divina dada as milhares de pessoas que não puderam se despedir e nem enterrar seus queridos. 

Eu queria trazer essa foto.

E dizer que, apesar das dificuldades que nosso país enfrenta, tenho orgulho de ter um presidente que não foge.

Tenho orgulho de ter um presidente que eu posso criticar sem que escute ameaças de ser fuzilada por isso (mesmo que travestido de brincadeira de péssimo gosto).

E reproduzo uma fala que ouvi hoje: 

Eu me arrependo dos dias que estive presente nas manifestações pró-Bolsonaro. Tudo o que eu vi ali foi ódio. Só tinha ódio no coração dessas pessoas. Chegou um momento em que não era mais sobre política. E mesmo concordando com muitos aspectos da direita conservadora, meus princípios me distanciam disso. Então eu saí. Se não fossem meus princípios, provavelmente eu também estaria lá (no 8 de janeiro).

Senhor Waldemir, sócio-proprietário do Supermercado do Produtor

Agora, aos eleitores de Bolsonaro: não existe problema sobre o que você acredita ser melhor para esse país, mas existe um problema se você não consegue ser humilde e reconhecer que você falhou em seu julgamento e cometeu um erro.

Não precisa nem reconhecer em voz alta… mas reflita. Se os seus princípios te fazem concordar com o ódio, isso diz muito mais a seu respeito do que sobre o Lula, a Esquerda ou quem quer que seja que você esteja direcionando isso.


TEXTO DE:

Cora Descorada

Campo Grande, cidade Luz em Trevas

Entre as luzes de milhões, brilha o abandono.

Numa tentativa de revestir a cidade com um clima natalino que, neste ano, simplesmente não se impõe, a gestora municipal gastou quase dois milhões de reais com luzes que cumprem o seu papel: é a maquiagem que esconde a verdadeira face sofrida da nossa capital. 

Enquanto isso o povo sofre.

O povo é paulatinamente humilhado. Quando falta médico e remédio. Quando torram o dinheiro do contribuinte sem zelo. Quando falta assistência e quando não cuidam da cidade.

A contradição chama à atenção diante de uma administração marcada pela forte presença de líderes religiosos em cargos com salários altíssimos. Mais uma vez venderam a igreja de Cristo

Nesse contexto, cabe recordar um dos princípios bíblicos, presente em Provérbios 29:2:
Quando os justos governam, alegra-se o povo; mas quando o ímpio domina, o povo geme.

AUTOR DESCONHECIDO

Preventiva de Bolsonao decretada

Digamos a verdade de saída, para que ninguém se faça de tolo depois: quando um ex-presidente da República — sim, aquele mesmo que dizia “cumprir as leis” entre uma motociata e outra — resolve romper uma tornozeleira eletrônica, não estamos mais falando de política. Estamos falando de um sujeito que olha para o Estado de Direito como quem olha para uma cancela de pedágio: se der para passar no impulso, melhor.

Aí vem a pergunta crucial: o que esperava Jair Messias Bolsonaro ao serrar, rasgar ou simplesmente “desinstalar” o aparelho? Que o juiz batesse continência? Que a Polícia Federal enviasse um emoji de joinha? Que o Estado Democrático de Direito, esse ente ingrato, dissesse: “Ah, deixa pra lá, ele já teve tanto trabalho nesses quatro anos…”?

Não. O Estado respondeu como responde a qualquer pessoa que tenta transformar uma medida cautelar em souvenir de campanha. Decretou a prisão preventiva — e, ao contrário do que alguns arautos do apocalipse berrarão pelas redes, isso não é perseguição; é o óbvio ululante da lei.

Se fosse Zé da Esquina, que rompeu a tornozeleira porque não queria perder o pagode de domingo, estaria agora na mesma condição. A diferença é que Zé da Esquina não tem frota de influenciadores correndo para explicar que a tornozeleira “se rompeu sozinha”, “escorregou”, “foi sabotada pelo globalismo” ou “sumiu após uma queda acidental enquanto defendia a liberdade”.

Mas não nos enganemos: a prisão preventiva não é o fim do mundo — nem o início. É apenas a consequência lógica de quem confunde restrição judicial com opinião consultiva, e acha que o Judiciário deve funcionar como extensão da própria bolha digital.

Há quem grite “ditadura!”. Ditadura?

Ditadura é quando o Estado prende porque você pensa algo. Aqui, o Estado prende porque você faz algo proibido, documentado, previsto, advertido e monitorado. Se isso é ditadura, então o Código Penal é uma peça autoritária desde 1940 — e, curiosamente, ninguém reclamou disso enquanto batia continência para ele.

A democracia, como sempre repito — e repito porque é preciso —, não é um regime de vontades. É um regime de regras. E regras, diferentemente de tweets inflamados, não admitem “interpretações criativas”.

Se Bolsonaro achou que podia desafiar a lei sem consequências, enganou-se. Se achou que o país ainda vive de comandos e arroubos, enganou-se mais uma vez. Se achou que a tornozeleira era opcional, como quem escolhe cor de camiseta em motociata… bem, agora terá tempo para refletir, sem risco de tropeçar em cabos eletrônicos.

No fim, resta aquela ironia histórica que sempre aparece quando a política decide brincar com o Direito: quem viveu dizendo que “bandido bom é bandido preso” agora descobre — talvez tarde demais — que as frases feitas têm um inconveniente terrível.

Elas valem para todo mundo.

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Até que a Morte nos separe

por Antonio Gonzalez
Em 1978, Rita Lee lançou Babilônia, obra-prima que guardava entre seus diamantes a joia “Jardins da Babilônia”.

Este 2025 tem sido um ano duríssimo para mim no que toca à saúde. Vi a morte de perto mais de uma vez. Sigo tentando escapar. Não fosse o companheirismo de alguns amigos, a jornada já teria virado despedida. Há dias em que quase não sobram leões para matar — apenas a sobrevida.

Minha saúde não é de ferro, não, mas meus nervos são de aço. Pra pedir silêncio eu berro, pra fazer barulho eu mesmo faço.

Ano de eleição no Fluminense. Das escolhas que fiz — certas ou não — reconheço que o peso do meu nome incomoda, mesmo a 310 km da Álvaro Chaves. Tanto incomoda que a oposição criou um fake para me atingir: o tal LOUCO DA CABEÇA. Como se isso fosse me entristecer... nada. A resposta virá no tempo certo.

Chamaram-me de dependente químico: nunca frequentei AA, NA, nem perdi emprego ou cliente por dependência alguma. Já outros…

Disseram que vivo de extorsão: não é o meu nome que aparece no Google como condenado; não fui eu quem se escondeu em Cabo Frio por gastar o dinheiro de clientes. Nunca participei de escândalo na cidade, nem figuração em CPI.

Afirmaram que sou vagabundo: Taubaté, Tremembé, Caçapava, Pindamonhangaba, Lorena, Caraguatatuba, Guaratinguetá, Ubatuba, Campo Grande (MS), Guanambi (BA), Porto Velho (RO), Campina Grande (PA), Cambuquira (MG) e Boa Esperança (MG) — todas têm minhas digitais em Marketing Político nos últimos 3 anos.

No Rio de Janeiro, trabalhei com Marketing Digital para José de Sousa (PRB 2014), Alexandre Arraes (PSDB 2016), José Ciminelli (NOVO 2020) e Orlando Zaccone (PDT 2022). E ainda desenvolvi projetos para a Universidade Cruzeiro do Sul de São Gonçalo (2018), cujo dono, ironicamente, é pai de um membro da chapa opositora.

Falaram até que não tenho família. Quem diz isso é um pobre-diabo que nada sabe da minha vida. Muito menos conhece o mundo de quem já viveu 16 anos na Europa. Em 2018, no Jecrim de Botafogo, repetiu a mesma frase diante do conciliador e saiu com o rabo entre as pernas. O álcool devora o pouco que lhe resta do cérebro.

O fake mistura “racismo, nazismo, xenofobia, misoginia, homofobia e a eterna busca por vantagem ilícita”.

Pegar fogo nunca foi atração de circo, mas de qualquer maneira pode ser um caloroso espetáculo.

Não sei quanto ainda me resta de vida — talvez meses. Mas não darei plateia a certos merdinhas.

Fecho com duas frases sobre esta campanha — uma anônima, outra minha:

a) “Todo Ademar tem a Carla Zambeli que merece.” (autor desconhecido);
b) “A groselha, quando desce pelo nariz depois de um soco, vem tão quente que dá para fritar um ovo.”

Conclusão: mexeram com a pessoa errada. Posso morrer amanhã, mas a dúvida sobre os donos do fake é só uma: CAPOTE OU CAPOTAGEM.

TEXTO DE:
Antonio Gonzalez

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Sinéad O'Connor, o preço pela verdade

Diante de 20 mil vaias que a expulsavam do palco, um homem se aproximou e sussurrou em seu ouvido: "Não deixe que esses desgraçados te abalem."

Era 16 de outubro de 1992, no Madison Square Garden.

Sinéad O'Connor, aos 25 anos, já era uma voz inconfundível, uma superestrela global eternizada pela melancólica "Nothing Compares 2 U". Mas naquela noite, ela não pisaria num palco para ser ovacionada por fãs. Ela caminhava direto para uma emboscada.

Duas semanas antes, ao vivo no Saturday Night Live, Sinéad havia cometido um ato impensável. Cantou "War", de Bob Marley, mas com letras alteradas para denunciar o abuso infantil. Em um gesto desafiador, olhando fixamente para a câmera, rasgou uma foto do Papa João Paulo II, proclamando: "Lutem contra o verdadeiro inimigo."

A retaliação foi imediata e avassaladora. Ameaças de morte, boicotes nas rádios, condenação da Igreja Católica. Até colegas artistas se afastaram. Frank Sinatra, em sua fúria, disse que queria "chutar a bunda dela". Joe Pesci, apresentador do SNL na semana seguinte, declarou que se estivesse lá, teria "dado-lhe uma tremenda bofetada".

Mas Sinéad não se retratou. Não cedeu. Ela tentou explicar: seu protesto era contra o abuso infantil sistêmico dentro da Igreja Católica, um acobertamento que chegava aos mais altos escalões.

Em 1992, porém, a verdade era incômoda. A ideia de que a Igreja protegia padres pedófilos era descartada como teoria da conspiração, fanatismo anticatólico, devaneios de uma jovem "perturbada".

Assim, ao pisar no Madison Square Garden para o concerto de 30 anos de Bob Dylan, ela sabia o que a esperava. Um palco grandioso, repleto de lendas como Neil Young, Eddie Vedder, Eric Clapton, George Harrison. E, em meio a eles, Sinéad – a mulher que a América parecia querer aniquilar.

Kris Kristofferson, uma lenda em si – Rhodes Scholar, capitão do Exército transformado em compositor, autor de "Me and Bobby McGee" – foi escolhido para apresentá-la. Ele havia vivido o suficiente para reconhecer a verdadeira coragem.

Nos bastidores, enquanto Sinéad aguardava, a tensão era sufocante. Ela ouvia o rugido da multidão de 20 mil pessoas, todas já convencidas de que ela era a vilã. Kris subiu ao palco, fez uma introdução simples, digna, e pronunciou seu nome. As vaias explodiram instantaneamente.

Não era uma reação dispersa. Era uma MURALHA de som – um clamor unificado, carregado de ódio, que parecia fazer tremer as estruturas do Madison Square Garden. Vaias, gritos, insultos. Pessoas de pé, gesticulando obscenidades. Não era apenas a rejeição de uma performance; era a turba sedenta por sangue.

Sinéad avançou pelo palco – uma figura miúda, de cabeça raspada, engolida por roupas largas. O barulho se intensificou. O desprezo era quase tangível, uma onda que parecia querer empurrá-la de volta. Ela deveria cantar "I Believe in You", de Dylan, uma canção sobre fé diante da rejeição. Mas não conseguiu. O ódio era ensurdecedor, avassalador. Permaneceu ali, paralisada, enquanto as vaias prosseguiam.

Então, em um ato extraordinário, em vez da música planejada, ela começou a berrar "War", de Bob Marley – a mesma canção do SNL, as mesmas palavras que haviam incendiado a controvérsia:
"Até que a filosofia que mantém uma raça superior e outra inferior seja finalmente e permanentemente desacreditada e abandonada... Até que a cor da pele de um homem não tenha mais significado do que a cor de seus olhos... Até esse dia, o sonho de uma paz duradoura permanecerá apenas uma ilusão fugaz."

Não era mais uma canção. Era um contra-ataque. Sua voz, crua, desafiadora, raivosa, gritava: "Se vão me destruir, cairei de pé!"

As vaias redobraram. Objetos eram atirados. A hostilidade era tamanha que seguranças se aproximaram do palco. Sinéad não conseguiu terminar. A muralha de ódio era impenetrável. Ela interrompeu o verso e deixou o palco.

Nos bastidores, Kris Kristofferson a esperava. Ela tremia – adrenalina, raiva, humilhação, tudo em colisão. Lágrimas escorriam pelo rosto, parecia prestes a desmoronar. Kris a abraçou, puxou-a para perto e sussurrou em seu ouvido: "Não deixe que esses desgraçados te abalem."

Naquele instante – cercada por um mundo que queria apagá-la, por uma indústria que lhe virava as costas, por uma cultura que a condenava – uma única pessoa a enxergou com clareza. Não como uma estratégia publicitária, nem como uma celebridade problemática. Mas como uma jovem mulher desvendando a verdade, a um custo pessoal colossal.

Mais tarde, Kris dedicou-lhe uma canção, "Sister Sinead". As letras capturavam a essência do que ele testemunhou: uma pessoa corajosa demais para ser quebrada, honesta demais para ser domada, verdadeira demais para se apagar.

A canção abordava a pergunta óbvia que todos faziam: "Ela era louca?" Talvez. Mas o mesmo se dizia de figuras históricas que enxergaram o que os outros não viam, que proferiram verdades que ninguém estava pronto para ouvir. Picasso foi taxado de louco. Os santos foram chamados de loucos. Todo profeta, todo porta-voz da verdade, toda pessoa que se recusou ao silêncio quando calar era mais cômodo – todos foram, primeiramente, chamados de loucos.

E então, anos depois, o mundo acordou.

Em 2002 – uma década após Sinéad rasgar aquela foto – o Boston Globe publicou uma investigação que viraria tudo de cabeça para baixo. Revelaram o que Sinéad tentara dizer: a Igreja Católica acobertara sistematicamente o abuso sexual infantil por décadas. Padres molestavam crianças, bispos protegiam padres. Não era teoria da conspiração. Era um fato documentado.

As revelações se espalharam globalmente. A Irlanda, terra natal de Sinéad, foi particularmente devastada pelas descobertas. Milhares de vítimas surgiram. Os acobertamentos eram profundos, institucionais, exatamente o que Sinéad tentara expor.

Ela estava certa desde o início.

Mas, a essa altura, sua carreira estava em ruínas. O público, enfim, admitiu a verdade, mas um pedido de desculpas real nunca veio. O palco do Madison Square Garden nunca testemunharia sua vindicação. A indústria que a marginalizou jamais ofereceu uma chance de reparação.

Sinéad O'Connor passou o resto da vida lutando contra problemas de saúde mental, buscando ser ouvida e tentando criar música numa indústria que a rotulou como "difícil" e "instável". Em 2018, converteu-se ao Islã, tornando-se Shuhada' Sadaqat. Manteve-se fiel à verdade, recusando-se a ser moldada pelas expectativas alheias.

Em julho de 2023, Sinéad O'Connor faleceu aos 56 anos. As homenagens choveram – muitas vindas das mesmas pessoas e instituições que a haviam destruído décadas antes. Chamaram-na de "profetisa", louvaram sua "coragem", reconheceram que ela estava certa sobre os abusos da Igreja.

Mas ela nunca as ouviu. Morreu sabendo que dizer a verdade lhe custara tudo.

Kris Kristofferson – o homem que sussurrou aquelas palavras – compreendeu algo naquela noite de 1992 que a maioria ignorou. Ele entendeu que a história é pródiga em pessoas punidas por estarem certas cedo demais. Que a coragem se confunde com loucura quando se está sozinho. Que os transformadores do mundo são, quase sempre, destruídos primeiro para serem celebrados depois.

Naquele momento nos bastidores, ele não podia restaurar sua carreira, silenciar as vaias, protegê-la do que viria – os anos de exílio, a luta, a dor. Mas ele podia fazer uma coisa: Vê-la. Realmente vê-la. Não como a vilã que a turba havia decretado, mas como sua irmã na ancestral tradição dos que não se calam diante da verdade.

"Não deixe que esses desgraçados te abalem."

Cinco palavras que diziam: "Sei que foi um ato de bravura. Sei por que o fez. Sei que a farão pagar por isso. Mas não ouse deixá-los convencê-la de que estava errada."

Duas décadas depois, Sinéad finalmente falou publicamente sobre o gesto de Kris. Ela revelou que aquelas palavras – sussurradas num momento em que o mundo inteiro berrava – a mantiveram viva. Quando pensava em desistir, em se convencer de que talvez estivessem certos e ela fosse louca, lembrava-se: Kris Kristofferson acreditou nela.

Às vezes, é só isso que basta. Uma pessoa que se recusa a se juntar à turba. Uma pessoa que se mantém ao seu lado mesmo que isso lhe custe caro. Uma pessoa que sussurra a verdade quando todos os outros gritam mentiras.

Aos 25 anos, Sinéad O'Connor subiu àquele palco. Uma jovem mulher lutando para proteger crianças de uma instituição que falhara em seu dever. Pagou por essa coragem com a carreira, a reputação e, para muitos, a própria vida. Mas ela jamais cessou de bradar a verdade. E décadas depois, quando o mundo finalmente lhe deu razão, era tarde demais para que ela soubesse.

Há uma lição persistente que nos recusamos a aprender: aqueles que hoje chamamos de loucos podem ser os profetas que celebramos amanhã. As vozes que silenciamos podem ser as que mais precisávamos ouvir. As mulheres que desqualificamos por serem "demais" – raivosas demais, barulhentas demais, honestas demais – talvez sejam as únicas suficientemente corajosas para dizer o que todos os outros temem.

Sinéad O'Connor rasgou uma fotografia para defender crianças. O mundo a rasgou em pedaços por isso. E quando ela precisou de um aliado, um homem ali estava.

"Não deixe que esses desgraçados te abalem."

Cinco palavras que importaram. Importam agora. E importarão para sempre.


Em tempo:
O TEXTO CONTÉM EXAGEROS NARRATIVOS, mas a história é real.

terça-feira, 18 de novembro de 2025

Jards Macalé

Meus heróis vão me deixando sozinho e triste na pista.”
(Paulo-Roberto Andel)

Jards acordou de uma cirurgia cantando “Meu nome é Gal”; bem a característica dele, alegre e de bom humor, mesmo que seu rosto dissesse o contrário; e assim ele se despediu desse planeta; cantando e feliz.

A cada ser genial como Jards Macalé que nos deixa o coração aperta. Um artista fundamental para a música brasileira. Cantor, compositor, instrumentista e inquieto criador. Macalé construiu uma obra marcada pela liberdade e pela experimentação.

Um herói quase desconhecido, que embora não goste do reconhecimento em massa de muitos de seus pares, é um pilar indiscutível da música criado através do Atlântico. Revolucionário, visionário, moderno - há muitos adjetivos para descrevê-lo.

Aquele que entrou no Hotel das Estrelas e foi ser violonista de Nora Ney e Gal Costa. Ao sair, driblou o mal secreto da besta fera, o Dragão da Maldade e os contrastes de Macunaíma no cinema, assinando suas trilhas dissonantes, ainda que seu feito mor na sétima arte tenha sido mesmo ser dublê do nosso maior super-herói, Kid Morengueira, nas cenas perigosas dos morros cariocas.

Macalé nunca foi apenas um artista, foi um gesto de resistência.

Um homem que viveu a música com uma verdade tão intensa que não cabia em rótulos, nem em modas, nem nos limites impostos pela indústria.

Compositor inquieto, cantor de voz que doía e libertava, figura central da contracultura.

Foi também opositor firme da ditadura militar (1964-1985), colocando a sua arte na linha de frente.

Ao lado de Chico Buarque marcou o histórico Banquete dos Mendigos (MAM, 1973), enfrentando a censura com coragem. E de coragem fica a sua obra, com poesia e verdade, sua arte permanecerá.

TEXTO DE:
Thiago Muniz

sábado, 15 de novembro de 2025

Dica de livro: “O lodo das ruas"

“O lodo das ruas"
Editora Sétimo Selo, RJ, 2022
Uma editora corajosa resolveu fazer o que nenhuma das grandes teve peito: reeditar a saga de Octavio de Faria, “Tragédia burguesa”, composta de 15 romances publicados entre 1937 e 1979, ou seja durante 42 anos.

Uma vida, diremos com nossos botões. “O lodo das ruas”, que acaba de sair, foi publicado em 1942 é o terceiro e aqui para nós um dos melhores. Sim, eu li todos, pois preparo sem data de finalizar um estudo sobre sua obra de ficção.

Toda família tem um momento em que começa a apodrecer” disse um dia Nelson Rodrigues, frase que cai como uma luva em nosso livro em questão, escrito várias décadas antes.

Na verdade, tirando o sarcasmo, o livro que mais se parece com “O lodo...” na minha opinião é “O casamento” o romance rodrigueano publicado (e proibido) em 1968. Dois autores católicos conservadores, mas cuja obra ultrapassa suas ideologias ultrapassadas e contém os ataques mais virulentos contra a burguesia de toda literatura brasileira. Ler para crer.

Tratamos aqui da família Paiva e sua implosão. Pai autoritário, mãe adúltera, tia carola. Cinco filhos. Três rapazes e duas moças. Teremos um desinteressado da esposa, um apaixonado pela cunhada, outro bancado por um pretendente gay, uma filha grávida solteira, outra noiva de um primo de passado pouco recomendável, dois bastardos, um suicídio. Um padre idealista que tenta ajudar e só atrapalha. Etc e tal. Cenas da vida carioca classe média na década de 1930 na Zona Sul. Os Paiva derretem como um sorvete no sol tropical.

Trata-se, portanto, de um melodrama quase dramalhão, mas não um melodrama social ou romântico como a maioria dos melodramas, mas sobre a moral católica e seu confronto com a vida real.

Com seu estilo intimista seco e implacável (que apressadinhos definem como “falta de estilo” ou “mau estilo” ou “chatíssimo”) Octavio de Faria sabe do que está falando, pois fala de sua própria classe social.

É um absurdo que o único autor importante a retratar os conflitos da classe dominante da antiga capital da república durante o Estado Novo tenha sido alijado dos nossos estudos de literatura por pruridos ideológicos ou pela simples preguiça em conhecer sua extensa obra. Fica faltando um pedaço. Nem tudo é mandacaru, acarajé ou chimarrão.

Em tempo: embora encadeados na mesma saga com personagens que transitam de um livro para outro, cada volume pode ser lido separadamente sem muito problema. Atenção. Se mesmo um anarco-agnóstico, um antípoda como eu viu todas essas qualidades, é necessário reavaliar. Tudo tem de ser revisto sempre e para sempre, periodicamente. Chegou a hora do Octavio de Faria.

O livro se encontra nos saites e livrarias para quem se interessar.

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

O Dia em que o STF Salvou o Recreio — e a República (de novo)

É preciso dizer com todas as letras: somos um país extraordinário.

Não extraordinário no sentido de admirável, mas no sentido de que nada aqui é ordinário, normal, previsível, trivial. É tudo… extra.

tanto que o Supremo Tribunal Federal — que deveria gastar seus neurônios com temas como Estado de Direito, equilíbrio entre Poderes, liberdade democrática, essas firulas — precisou, vejam só, julgar o recreio dos professores!

Sim, o recreio. Aquele intervalo entre uma aula e outra, onde alunos e professores tentam comer alguma coisa, tomar um café e ir o banheiro, antes que sino volte a tocar.

O Brasil não é para iniciantes, amadores, e ultimamente nem para profissionais.

Pois bem: algumas instituições de ensino superior, sempre muito ciosas da “gestão eficiente”, descobriram uma maneira inovadora de enxugar custos — o tipo de solução que só aparece quando gente muito criativa se reúne numa sala com ar-condicionado e café em cápsula: descontar dos professores o tempo do recreio.

Ora, claro! Por que não?

Se a lógica for essa, podemos também descontar do médico o tempo entre uma cirurgia e outra, do juiz o intervalo entre um julgamento e o próximo, do jornalista os cinco minutos em que respira fundo antes de escrever sobre uma pauta estapafúrdia como essa que estou escrevendo (e agravo: de graça).

Do jeito que vai, não tardará o momento em que algum gênio administrativo reivindique que o professor seja descontado por ficar calado durante a prova.

Mas eis que o STF, esse ente metafísico que precisa entrar em cena sempre que a realidade brasileira insiste em ser uma comédia pastelão, decidiu o óbvio: recreio faz parte da jornada de trabalho.

O professor não está de férias entre uma aula e outra. Não está em Mônaco jogando roleta, ou no Maracanã gritando Mengo!, e muito menos diante de um quartel pedindo golpes. Em geral, está vigiando corredor, atendendo aluno, preparando próxima atividade, impedindo que dois adolescentes resolvam uma divergência filosófica à base de cadeirada (né, Datena?).

O recreio, no Brasil, é mais perigoso que sessão do Conselho de Segurança da ONU.

Mas vejam a ironia: para que o óbvio fosse reconhecido como óbvio, foi preciso que o Supremo parasse para julgar…? isso mesmo: intervalos escolares.

É quase poético. A mais alta Corte do país decidindo aquilo que qualquer pessoa que já colocou os pés em uma escola sabe desde a pré-escola.

O problema, no fundo, é que o professor brasileiro virou uma espécie de entidade esotérica. Todo mundo louva. Todo mundo exalta. Todo mundo diz que sem professor não há futuro — e aí tentam descontar até o recreio. É a “pedagogia do aperto financeiro”. Uma aula prática de desvalorização profissional.

Pois bem, o STF colocou ponto final nessa ópera-bufa.

E aqui, permitam-me a ironia inevitável: ainda bem que temos o Supremo. Porque se dependesse de certas mentes criativas do Congresso, logo logo iriam sugerir que o professor só recebe quando está falando. Silêncio não remunera. Pausa não conta. Beber água é privilégio.

No mais, parabéns ao STF por mais uma contribuição inestimável à ordem constitucional do país: salvou o recreio. Faltam agora salvar o salário, a carreira, a infraestrutura e — quem sabe? — a dignidade.

Mas calma: uma coisa por vez. No Brasil, até o óbvio dá trabalho.

Detalhe final: os ministros do STF julgaram a causa sem nem mesmo, um intervalo para o cafezinho.


TEXTO DE:
alguém que já desistiu de esperar bom senso dos “gestores” da educação
Tarciso Tertuliano