(Com o devido enquadramento jurídico, para evitar recaídas civis)
De vez em quando, algum espírito iluminado — talvez tomado por um surto de romantismo constitucional — pergunta:
“Mas não está na hora de perdoar Bolsonaro?”
A resposta, meus caros, exige o rigor mínimo da análise jurídica, ainda que temperada com ironia: não, não está.
E não por ressentimento, mas por um motivo simples: há condutas que, mesmo que um dia venham a ser julgadas — e algumas já estão — não cabem no campo místico do perdão barato.
Vamos aos fatos — ou, se preferir, ao hall of infame de infrações éticas, morais e, em certos casos, legais.
1. A omissão dolosa na pandemia
Art. 13 do Código Penal: quem podia evitar o resultado e não evitou, responde por ele.
No caso, a opção foi não apenas deixar de evitar: foi sabotar.
Perdoar? Seria premiar o “E daí?” como tese jurídica.
2. A guerra santa contra a ciência
O art. 37 da Constituição exige eficiência na administração pública.
Substituir ciência por cloroquina é o oposto disso — é ineficiência qualificada.
Não há perdão possível para quem tenta resolver uma pandemia com achismo de botequim.
Fora o crime de charlatanismo previsto no Código Penal (art. 283).
3. As mortes transformadas em planilha fria
O princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) virou figurante enquanto vidas eram tratadas como métricas.
Pode-se absolver alguém que reduziu pessoas a estatísticas?
Não sem violentar a Constituição — novamente.
4. Racismo, homofobia e misoginia como método
Racismo é crime inafiançável e imprescritível (art. 5º, XLII).
Homofobia foi equiparada ao mesmo tratamento pelo STF.
E misoginia? Entra no pacote da discriminação.
Chamar tudo isso de “brincadeira” é insulto — e péssima tese de defesa.
5. Glorificação da violência e do torturador
O Brasil tem tratados internacionais que proíbem a tortura.
E lá estava o ex-presidente fazendo elegia aos torturadores.
Perdoar seria repudiar o sistema jurídico brasileiro só para agradar a nostalgias autoritárias.
6. O flerte permanente com o autoritarismo
Incitar golpe é violar o art. 5º, XLIV — crime inafiançável.
E ainda fez isso com a competência de quem tenta invadir o próprio Facebook achando que é senha de Wi-Fi.
Difícil perdoar inclusive pelo ridículo.
7. A fabricação industrial de ódio político
O discurso de ódio, quando praticado por agente público, lesa não apenas pessoas — lesa o Estado Democrático de Direito.
E alguém quer perdoar quem fez do ódio uma política de governo?
Se quiser, peça também a revogação da Lei de Improbidade, para combinar.
8. A fé transformada em cabo eleitoral
E esse item me aflige diretamente, pois sou cristão evangélico há anos.
A Constituição separa Estado e religião (art. 19, I).
Bolsonaro misturou púlpito com comício como quem mistura café com açúcar, com a cumplicidade de péssimos pastores.
Perdoar seria legitimar a quebra do Estado laico com recibo.
9. O sequestro da ideia de nação
Confundir governo com país viola o próprio espírito republicano (art. 1º, caput).
Para Bolsonaro, quem discordava não era adversário — era inimigo.
E inimigo, na lógica dele, não é cidadão.
E cidadão sem cidadania é um problema jurídico dos bons.
10. A ausência olímpica de arrependimento
O Direito Penal até admite arrependimento eficaz.
Mas para isso é preciso haver arrependimento.
No caso, há apenas recaídas discursivas, tentativas de golpe e passeios estratégicos ao redor do sistema judicial.
Perdoar quem não se arrepende é transformar perdão em erro material.
Conclusão jurídica e moral
Perdão não é uma abstração mística.
É uma categoria ética que pressupõe consciência da culpa.
E, até o momento, Bolsonaro não demonstrou consciência, culpa ou sequer constrangimento.
Perdoá-lo exigiria reformar o Código Penal, relativizar a Constituição, ignorar tratados internacionais e suspender a lógica.
E ainda assim, o resultado seria duvidoso.
Portanto, se algum dia você sentir a tentação de perdoar Jair Messias Bolsonaro, lembre-se:
nem a lei permite tanto zelo com quem tratou o país como laboratório de devastação.
SEM ANISTIA
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