Quando um político decide “ensinar” Marx, a história, que é sábia, cruza os braços para assistir à metamorfose do absurdo.
Não foi diferente quando o então deputado Kim Kataguiri resolveu subir ao quadro-negro das ideias e oferecer ao público uma aula de marxismo.
O problema não estava na ousadia de falar de teoria, sempre louvável quando acompanhada de estudo, mas na displicência de tratar o pensamento alheio como massa de modelar retórica.
Entre tropeços conceituais, confundiu comunismo com socialismo, como se ambos fossem sinônimos intercambiáveis numa equação ideológica apressada. Já seria didático, se não fosse desastroso.
Mas a parte que fez a cronologia gargalhar foi outra: a afirmação solene de que Karl Marx teria vivido para ver a Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e 1918, e ali, testemunha ocular das trincheiras, teria “admitido seus erros”.
Não houve ali apenas um equívoco teórico; houve um choque frontal com o calendário.
Marx morreu em 1883, no século XIX, quando a Europa ainda discutia a máquina a vapor e o capitalismo industrial consolidava seus alicerces.
A guerra que devastou o mundo em 1914 aconteceu mais de três décadas depois de Marx já estar no silêncio definitivo da história. Erros podem pertencer a intérpretes, jamais a mortos que não atravessaram o tempo onde foram citados.
A correção alheia chegou rápida, como carta urgente enviada pela própria evidência histórica.
Mas a correção parou na soleira, porque o vídeo, em vez de ser revisto com humildade, foi deletado.
Um gesto tardio para quem já havia discursado à nação com a convicção de um mestre que nunca abriu o livro.
Deletar não rebobina viralização.
A internet, ao contrário da História, não tem borracha: tem testemunhas. O efeito da fala já tinha se multiplicado em memes, cópias, comentários e gargalhadas, fazendo com que o erro não fosse esquecido, fosse celebrado como chacota pública.
O episódio revelou um paradoxo moderno: vive-se na era do excesso de informação, mas há quem decida falar antes de consultar a mais básica das enciclopédias.
Não foi Marx quem assistiu a Primeira Guerra; foi o país quem assistiu a um deputado guerrear com datas e sair derrotado pelo óbvio.
A piada nacional não nasceu do marxismo, nasceu da pressa em parecer culto sem ser estudioso. E nisso o erro não foi político; foi pedagógico: ensinou a todos que opinião não substitui formação e retórica não salva do ridículo quando o fato é atropelado.
A viralização, nesse caso, funcionou como tribunal popular involuntário: não puniu com censura, puniu com riso.
Não destruiu a carreira, mas a colocou, por um instante eterno da web, no panteão involuntário dos “comentaristas anacrônicos”, onde a História responde com sarcasmo, e o povo, munido de bom senso básico, apenas completa com gargalhadas.
Porque no Brasil, a massa não precisa de diploma para perceber quando alguém tenta reescrever o mundo sem sequer saber em qual século ele começou.
