Dizia o poeta Agenor, universalmente conhecido como Cazuza, que “o tempo não para”.
Aos meus 64 anos, a minha saúde paga o preço do verbo — não parar. O meu agora significa mais uma noite na emergência hospitalar, aqui em Taubaté.
A Globoplay lançou recentemente a série Cazuza – Além da Música, magnífica coleção de informações e depoimentos sobre a vida, a passagem e a obra deixada pelo eterno filho de Lucinha e João Araújo.
Assim como ele, estudei no Colégio Santo Inácio; 5 anos mais novo, certamente nos cruzamos em algum momento por aqueles corredores imensos, sob o sino de bronze do jardim: “Eu sou um cara cansado de correr na direção oposta, sem pódio de chegada ou beijo de namorada”.
A série, em 4 capítulos, vai além da caricatura do sex, drugs & rock and roll. Mostra uma juventude da Zona Sul carioca dos anos 1980 que escolhia novas formas de viver e amar, rompendo conceitos herdados do antidemocrático 1964.
Cazuza surge como elemento transformador desde a largada. Do Barão Vermelho para a eternidade. Com ele, o dia nasceu feliz e a Beth balançou.
No Rock in Rio de 1985, a maturidade chegou diante da multidão que aguardava a posse de um presidente civil, após mais de 20 anos de um verde sem esperança.
Na mesma década, apaixonei-me, fui para a Espanha, casei. Em Madrid, capital cultural da Europa, vivi 5 anos e meio mágicos trabalhando numa multinacional, base profissional para toda uma vida.
Para o Cazuza, a AIDS que o acompanhava há três anos causou a sua morte em 7 de julho de 1990, aos 32 anos. No mesmo dia, em Roma, acontecia o primeiro concerto dos Três Tenores. Morreu a carne, eternizou-se o poeta. A notícia correu entre os brasileiros em Madrid. Foi difícil dormir. Voltei aos shows do Circo Voador: “Todo dia a insônia me convence de que o céu faz tudo ficar infinito”. Maldita AIDS.
Regressei ao Brasil no final de 1993, sem vontade - por amor. “E por você eu largo tudo”.
Em 26 de dezembro o meu Tio Lorenzo foi diagnosticado com AIDS. De 95 quilos, restavam 55. Tornei-me o seu único apoio no Rio. Essa guerra era minha.
Ao vasculhar o apartamento – como de uma cena de algum filme de suspense se tratasse - um choque: cartas de um namorado, fotos de homens, camisinhas gays. Aos 32 anos descobri que o meu Tio, de 54, era homossexual.
Dediquei-lhe um ano inteiro; vi vagão do metrô esvaziar-se, por preconceito – estava em pele e osso, uma caveira.
Faleceu a 4 de dezembro de 1994 nos meus braços. Durante meses temi ter-me contaminado pois tive contato com o seu sangue. Deus não quis. Morreu sem revelar a sua condição sexual. Nunca me importou. Eu o amava. Se havia em mim qualquer traço de homofobia, deixou de existir: “É que eu preciso dizer que eu te amo”.
Esta noite, já madrugada do dia 20 de dezembro, o conta-gotas do soro acompanha minhas palavras. Sinto saudades do amor do meu tio Lorenzo.
Cazuza segue atual: “A tua piscina tá cheia de ratos”. Sempre foi assim: “Eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades”. Serve para o Congresso Nacional, serve para a ALERJ.
Estou cansado do pedágio do meu corpo, às vezes falta gasolina. Hoje, o portador de HIV tem perspectivas. A ciência dá vida.
Finalizando: “Eu não tenho datas pra comemorar”.
TEXTO DE:
Antonio Gonzalez

😢 quando o amor existe , não há espaço para o preconceito.
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