quinta-feira, 30 de junho de 2022

Lei de Cotas tem Ano Decisivo no Congresso

 

Em 2009, Thamiris Marques ingressou na Universidade de Brasília (UnB) pelo sistema de cotas. Aos 18 anos, ela foi a primeira da família a frequentar uma universidade pública. Pioneira entre as universidades federais, a UnB já contava com ações afirmativas antes mesmo da Lei de Cotas, que completa dez anos em 2022. A própria norma prevê sua revisão neste ano, o que reacendeu o debate sobre o tema e promete mobilizar o Congresso. O ponto que gera maior controvérsia é o teor racial da reserva de parte das vagas, ou seja, a garantia de cadeiras para alunos negros e indígenas.

A Lei de CotasLei 12.711, de 2012) prevê que 50% das vagas em universidades e institutos federais sejam direcionadas para pessoas que estudaram em escolas públicas. Desse total, metade é destinada à população com renda familiar de até 1,5 salário mínimo per capita. A distribuição das vagas da cota racial e deficiência é feita de acordo com a proporção de indígenas, negros, pardos e pessoas com deficiência da unidade da Federação onde está situada a universidade ou instituto federal, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Thamiris, que sempre estudou em escola pública, já tinha tentado vestibular antes, sem sucesso. Decidiu, então, concorrer a uma vaga pelas cotas no curso de serviço social, conquistada com um recurso após ser reprovada em entrevista para confirmar sua afrodescendência. Ela conta que não tinha a mesma consciência racial de hoje, o que pode ter pesado em suas respostas e em sua inicial desclassificação. Mas Thamiris não desistiu e, após escrever um texto sobre suas origens e vivências, garantiu a vaga. 

De acordo com a hoje assistente social, entrar e concluir a formação superior foi uma vitória de toda a sua família e representou o rompimento de um histórico de acesso limitado à educação. Ela, que se formou em 2014, afirma que serviu de exemplo para outros familiares e pessoas do seu convívio. Para Thamiris, a política de cotas ampliou a diversidade nas universidades públicas e se consolidou como um instrumento de reparação.

— Ao abrir as portas e mostrar possibilidades de um futuro diferente, a Lei de Cotas mudou não apenas a minha vida, mas a de uma família inteira. As cotas me deram a oportunidade de ter acesso a esse conhecimento, a essa educação e a outro mundo. Pude romper com um ciclo que vinha desde a minha avó, que não teve acesso a educação, e minha mãe, que nem chegou a concluir o ensino médio. Hoje, sou uma pessoa formada e isso, na minha família, serviu de exemplo para mostrar para outras pessoas que é possível. Defendo a continuidade da política de cotas como forma de reparação histórica para a população negra — disse Thamiris.

Assim como Thamiris Marques, milhares de jovens que antes não viam a possibilidade de cursar o ensino superior passaram, com as cotas, a reivindicar e ocupar espaços nas universidades e institutos federais. De acordo com a pesquisa "Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil", do IBGE, o número de matrículas de estudantes pretos e pardos nas universidades e faculdades públicas no Brasil ultrapassou pela primeira vez o de brancos em 2018, totalizando 50,3% dos estudantes do ensino superior da rede pública. Apesar de maioria, esse grupo permanecia sub-representado já que correspondia a 55,8% da população brasileira.

Já o Censo da Educação Superior 2019, feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apontava que brancos ainda eram maioria somando universidades públicas e privadas: 42,6%. Pardos somavam 31,1%; pretos, 7,1%; amarelos, 1,7%; e indígenas, 0,7%. A raça/cor de 16% era desconhecida. 

A mudança no perfil nas universidades brasileiras com as cotas também fica evidente com dados de um levantamento da Agência Senado em três das maiores universidades brasileiras. 

Estandarte do sistema de cotas, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) foi a pioneira na adoção da política afirmativa no país. Desde o vestibular de 2003, parte das vagas é destinada a alunos autodeclarados negros e pardos e estudantes da rede pública de ensino, com base na situação socioeconômica dos candidatos. De acordo com informações apuradas pela reportagem, 3.056 estudantes ingressaram via sistema de cotas no primeiro vestibular da Uerj. Em 2020, a universidade contava com 7.553 alunos cotistas vinculados. 

Também do Rio de Janeiro, a UFRJ registrou um aumento significativo de estudantes negros (pretos e pardos) desde a adoção das cotas no processo seletivo de 2011. De acordo com a Pró-Reitoria de Graduação da UFRJ, o percentual de estudantes declarados negros (pretos e pardos) era pouco superior a 20% antes da adoção das cotas e, atualmente, gira em torno de 35%. 

Precursora entre as federais, a UnB aprovou a política afirmativa em 2003, mas a regra começou a valer no ano seguinte. Atualmente, o total de vagas reservadas para pretos, pardos e indígenas nos processos seletivos da instituição, considerada a adoção de todas as políticas vigentes, corresponde a um terço do total (33,5%). Em 2012, quando a Lei das Cotas foi sancionada, 10.680 estudantes pretos e pardos — de um total de 41.767 — estudavam na instituição. Hoje, somam 15.574 estudantes de um total de 42.929.

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quarta-feira, 8 de junho de 2022

As preocupantes consequências da redução do ICMS, proposta por Bolsonaro, nos investimentos em educação e saúde no Rio

 

A redução das alíquotas de ICMS dos combustíveis, proposta por Jair Bolsonaro, em projeto aprovado pela Câmara, implode o princípio federativo de autonomia dos estados e traz graves danos à saúde, à educação e aos gastos de pessoal no serviço público - três rubricas vinculadas à receita corrente líquida.

Na ponta, poderá resultar em fugaz queda de alguns centavos no preço de bomba - que, de acordo com especialistas, logo serão absorvidos pela margem de lucro da cadeia produtiva. Ou seja, produzirá um rombo no orçamento dos estados sem ganho efetivo para o consumidor. A rigor, é apenas peça de marketing de um presidente docilmente rendido à voraz política de preços da Petrobras em favor dos acionistas internacionais. Nada tem de efetivo para corrigir a distorção dos preços, que turbina a inflação e aniquila o poder aquisitivo, especialmente dos mais pobres.

Premido pela baixa nas pesquisas, que apontam sua derrota, Bolsonaro tenta construir a imagem de que luta pela redução dos preços, elegendo os governadores como vilões. A iniciativa, na verdade é diversionista e com objetivos nitidamente eleitoreiros.

Nove fora a aberração jurídica da proposição, que certamente será objetivo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF, é necessário entender a extensão dos prejuízos decorrentes da medida. Grosso modo, o governo do Rio de Janeiro perderá cerca de R$ 6,2 bilhões, dos quais R$ 4,5 bilhões efetivamente do orçamento estadual e aproximadamente R$ 1,55 bilhão (25%) dos municípios.

Hoje a gasolina é tributada no Rio em 34% (32% do ICMS e 2% do Fundo de Combate à pobreza). Com a medida, despencará para 18%, trazendo na esteira brutal redução na capacidade de investimentos em educação e saúde.

O ex-secretário de educação Wagner Victer se mostra apreensivo com o efeito cascata da medida sobre o setor: "Vai resultar numa perda irreparável para a educação pública. Sem falar no impacto sobre o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), cuja composição é majoritariamente lastreada no ICMS", adverte.

Para se aquilatar o tamanho do rombo, tome-se a previsão das receitas de ICMS para 2023, projetadas em cerca de R$ 49,5 bilhões. O Rio perderá portanto, quase 10% da arrecadação do tributo, o que vai gerar, de acordo com cálculos do deputado Luiz Paulo, presidente da Comissão de Orçamento da Alerj, queda de aproximadamente 5% na receita corrente líquida.

O tombo da receita reflete diretamente nos investimentos em educação (25%) e saúde (12%) que, por exigência constitucional, estão indexados a ela. Portanto, os R$ 4,65 milhões que serão ceifados do orçamento estadual vão resultar em queda de R$ 1, 16 milhões em saúde. Este é o tamanho do dano provocado pela medida nas duas mais importantes rubricas do orçamento.

A mudança tem impacto também sobre o gasto de pessoal, limitado a 60% da receita corrente líquida pela lei de Responsabilidade Fiscal. Com salários já defasados, os servidores terão certamente maiores dificuldades em obter reajustes.

Os deputados do Rio que votaram pela aprovação do projeto devem ser confrontados com esses números. A rigor, ajudaram Bolsonaro em seu ilusionismo eleitoreiro às custas de prejuízos efetivos à educação e à saúde - duas áreas estratégicas para o conjunto da sociedade, particularmente para os mais pobres que dependem da prestação de serviços públicos de qualidade.

TEXTO DE: