quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Bolsonaro Pode Negociar Anistia Caso Golpe Falhe

 

Braga Netto segurando o grito de golpe
Um dia após a criminosa tentativa de Donald Trump fraudar o resultado da eleição americana incentivando uma invasão ao Capitólio, o presidente brasileiro colocou o nosso processo eleitoral sob suspeita. Bolsonaro, o “Trump dos Trópicos” disse desconfiar dos nossos mecanismos de apuração.

“Se não tivermos... uma maneira de auditar os votos, teremos problemas maiores que os Estados Unidos”, disse ele no curralzinho onde costuma conversar com seu gado.

O Brasil ainda é a maior democracia da América Latina, e realizará sua eleição mais importante em décadas, no mês de outubro.

De um lado, Luís Inácio Lula da Silva, ex-metalúrgico que ocupou a presidência do país entre 2003 e 2010. Do outro, Jair Bolsonaro, um ex-militar que foi expulso do Exército por sua conduta indisciplinada e ocupa a cadeira da presidência desde janeiro de 2019.

Na última eleição em 2018, a condenação vinda de um juiz suspeito é incompetente, tirou Lula da disputa e pavimentou a vitória de Bolsonaro. Mas as atuais pesquisas apontam a vantagem de dois dígitos de Lula em relação ao adversário, confirmando sua provável vitória.

O momento para Bolsonaro não é nada agradável. Ele não pode mais alegar ser um outsider político e se mostrou uma farsa quanto ao combate à corrupção após estes 3 anos de um mandato marcado  por escândalos e conduta criminosa.

Com a fome atingindo níveis não vistos há décadas, os eleitores vão lembrar que as políticas de Lula uma vez ajudaram a colocar comida em seus pratos. Poucos esquecerão que a conduta criminosa de Bolsonaro ajudou a produzir mais de 660 mil mortos na Pandemia de Covid.

LADAINHA POPULISTA

Apavorado pela possibilidade de derrota para Lula, Bolsonaro mente que se o adversário vencer, o Brasil se tornará uma Venezuela, um “vagão no trem do socialismo”. Porém Lula é considerado como parte da esquerda democrática, muito distante dos socialistas incompetentes que governam a Venezuela.

Muitos suspeitam que o medo de Bolsonaro não é só da perda do andar, mas também, da perda da imunidade do cargo e perda do controle sobre a Polícia Federal. Isso o deixaria exposto a uma série de ações judiciais e processos criminais.

Em agosto passado, ele disse:

“ Tenho três alternativas para o meu futuro: ser preso, morrer ou vencer”.

Com as probabilidades de derrota batendo em sua porta o presidente pretende reescrever o livro de regras. Em 13 de Julho, o Congresso aprovou uma emenda constitucional permitindo que o governo ultrapasse os limites anteriores de gastos em um ano eleitoral.

Isso permitirá uma espécie de compra de votos explícita e oficializada a poucos dias da votação.

Ele também está semeando dúvidas sobre as eleições. Aos seus fanáticos ele afirma que somente será derrotado em caso de fraude, e sugere que pode contestar o resultado das eleições. Falta-lhe coragem para admitir abertamente, mas a sua intenção é não passar o cargo ao seu sucessor.

Diferente dos EUA, onde Trump tentou intimidar as autoridades eleitorais locais, com ações judiciais, no Brasil o sistema eleitoral é centralizado, o que anularia tal tática.

As eleições no Brasil, desde a década de 40, são comandadas por tribunais eleitorais independentes, cujo órgão máximo é o Tribunal Superior Eleitoral, composto por 7 ministros, incluindo 3 do Supremo Tribunal Federal.

Não existe até hoje, nenhuma fraude comprovadamente ocorrida através da votação em urna eletrônica.

Suponhamos que Bolsonaro perdesse, e então?

Ele teria várias semanas até a posse do vencedor. Ele poderia contestar o resultado legalmente através do TSE. Dois tipos de ações poderiam ser levadas ao Tribunal:

Uma ação de inquérito judicial eleitoral, que pode ser proposta antes da eleição, e geralmente, refere-se a irregularidades de campanha.

A outra ação, é uma contestação a um mandato eleitoral. A Constituição Federal diz que um mandato pode ser formalmente investigado se houver evidências de abuso econômico, corrupção ou fraude. Isso deve acontecer no prazo de 15 dias após o vencedor ser certificado em dezembro. O resultado pode ser anulado e um novo vencedor declarado.

Tal procedimento, envolveria muitos personagens da República. Partidos poderiam fornecer provas. O procurador-geral, Augusto Aras, conhecido sabujo de Bolsonaro, poderia oferecer um parecer jurídico. Mas a decisão final caberia ao Supremo Tribunal Federal.

Historicamente, esse tipo de ação é rara nas eleições presidenciais, embora sejam comuns nas municipais. O TSE abriu sua primeira ação para contestar o mandato de um presidente empossado em 2014, depois que a oposição  contestou o mandato de DILMA Roussef, sucessora de Lula. Ainda assim, atuou com cautela, adiando qualquer julgamento até que o Congresso a retirasse do cargo através de um impeachment.

As queixas do PT de que notícias falsas influenciaram o resultado da eleição de 2018, vencida por Bolsonaro, também não deram em nada. Os tribunais não anularão resultados sem fortes evidências de irregularidades. É improvável que desqualifiquem o candidato vencedor.

Bolsonaro pode não querer contar apenas com os tribunais. Suas relações com os ministros nem sempre são cordiais. Em abril ele concedeu um indulto ao deputado Daniel Silveira, que ameaçou a vida de ministros do STF.

O presidente se refere ao ministro Edson Fachim, como “aquele que tirou Lula da cadeia”.

No STF, Fachim anulou as condenações de Lula, tentando livrar o ex-juiz e ex-ministro da Justiça de Bolsonaro dos processos de suspeição.

Em julho, Bolsonaro insinuou que Fachim “já sabe” o resultado da eleição (como se o próprio Bolsonaro já não soubesse que será derrotado).

Além de todas essas bobagens, Bolsonaro insiste na mentira de que o sistema de votação eletrônica é suscetível a fraudes.

O sistema é utilizado desde 1996 sem indícios de irregularidades. Sem nenhuma prova, Bolsonaro está sendo investigado por produzir fake news sobre o TSE.

Pode ser mais difícil para Bolsonaro do que para Trump persuadir muitas pessoas de que uma eleição justa foi “roubada”. Em maio, 73% da população disse confiar nas urnas eletrônicas.

No entanto ele obriga o STE atual sempre na defensiva. O exército até maio de 2022 já havia enviado 88 questionamentos sobre vulnerabilidade do sistema eletrônico, muitas delas dando eco as asneiras de Bolsonaro. O papel das Forças Armadas geralmente se resume ao transporte e proteção das urnas eletrônicas.

Este ano, o TSE convidou as Forças Armadas para integrar uma comissão de transparência para rebater a alegação mentirosa sobre fraude. Mas agora o exército tenta criar o seu próprio sistema eleitoral, que tem como objetivo garantir a vitória de Bolsonaro.

O presidente parece empenhado em minar a confiança nas instituições democráticas. Antes da última eleição, seus apoiadores espalharam notícias falsas sobre seus oponentes. Desde então, a bozosfera se expandiu. No WhatsApp e no Telegram, seus apoiadores descartam os pesquisadores e cientistas e compartilham pesquisas mentirosas e criminosas. Sites de desinformação se multiplicam. Quase um terço da população acredita que a eleição pode ser fraudada.

As desavenças de Bolsonaro com o judiciário e a imprensa, coincidem com exageros do Congresso. Lá, ele conquistou políticos ao distribuir cargos ministeriais e fatias de um orçamento secreto que totalizaram R$ 4,9 bilhões em junho.

Naquele mesmo mês, senadores evitaram por pouco aprovar uma disposição de estado de emergência para a emenda constitucional que poderia ter dado ao presidente amplos poderes sobre o orçamento.

Os truques de Bolsonaro podem ser comparados com os de Viktor Orban, primeiro ministro da Hungria, que desmereceu de maneira abrangente os tribunais e todo mídia de seu país, e conseguiu influenciar o campo eleitoral a seu favor. Bolsonaro apesar de ter se encontrado com Orban, não conseguiu reproduzir nenhuma destas coisas.

No entanto, seus adversários temem que se a votação estiver apertada, ele possa alegar que foi que foi roubado da vitória e tentar se agarrar ao cargo de maneira suja. Ele pode tentar despertar uma multidão insurrecional, como Trump fez no ano passado. Ele pode inspirar um motim dentro da Polícia Militar ou do Exército. Ele poderia até tentar um golpe. A última opção é extrema, mas o Brasil só saiu de uma de uma ditadura militar em 1985. Bolsonaro não esconde sua saudade reacionária dos bons e velhos tempos de torturas e assassinatos realizados pelo estado contra seu próprio povo.

O Brasil nunca enfrentou verdadeiramente seu passado ditatorial. Alguns militares dentro do Exército ainda acreditam que têm o direito de tomar o poder no país.

O companheiro na chapa de Bolsonaro, o general aposentado Walter Braga Netto, muitas vezes tenta assustar com sua linguagem agressiva, por vezes beirando a imbecilidade. Ele chegou a dizer: “Ou temos eleições limpas, ou não teremos eleições”. Nos EUA, ninguém pensou que o Exército apoiaria a tentativa de golpe de Trump. No Brasil ninguém tem certeza do que o alto escalão pode fazer.

Ainda há uma parcela de otimistas que duvidam que o Exército entre na aventura de Bolsonaro. As condições são muito diferentes de 1964, quando o exército assumiu o poder pela última vez. Depois teve o apoio das elites empresariais e modifica-se dos EUA e de parte do Congresso Nacional. É difícil imaginar qualquer desses grupos apoiando um golpe agora. A maioria dos apoiadores do presidente também não apoia a ideia. Mas existem centenas que clamam pelo golpe desde o dia de sua posse.

Um risco maior é uma divisão dentro das Forças Armadas. Em 1964, foi um general de três estrelas que iniciou o golpe, não um general de quatro estrelas. Os analistas também observam as Polícias Militares que superam o número de soldados. Muitos apoiam Bolsonaro e podem aderir aos protestos se ele perder e podem se recusar a reprimir protestos violentos de bolsonaristas. Este é o resultado mais provável. Esta eleição tem muito em comum com algumas disputas explosivas da América Latina dos últimos anos.

No dia 9 de julho, um agente penitenciário federal vociferando imbecilidades em apoio a Bolsonaro, matou um membro do PT. O presidente não condenou o assassinato em momento algum, e seus fanáticos continuam belicosos. Alguns temem que no dia 7 de setembro possa ocorrer uma tentativa de impedir as eleições.

Há uma outra maneira de as coisas se desenrolarem. Se Bolsonaro perder, pode negociar sua saída em troca de imunidade, o que os analistas chamam de “transição pactuada”. Assim terminou o regime militar. Se ninguém acabar sendo responsabilizado, poucos ficarão satisfeitos. Mas é uma triste realidade para o Brasil, que está possa ser a saída menos traumática e perigosa para o país.

 

O TEXTO É UMA ADAPTAÇÃO DE UM ARTIGO DO JORNAL economist.com