Pois é…
As cotas raciais seguem incomodando. E incomodam não porque sejam injustas, mas justamente porque expõem, de forma cruel, a injustiça estrutural que sempre se quis esconder debaixo do tapete da tal “democracia racial” brasileira.
Sim, aquele mito simpático de que, por aqui, todos convivem como iguais — mito conveniente, diga-se, para quem nunca teve de disputar vaga de emprego com o CEP e a cor da pele já marcados como estigma.
O argumento contra as cotas é conhecido: “todos devem ter as mesmas chances; basta estudar”.
Ah, o mérito!
Essa palavrinha mágica, tão bonita nos discursos de formatura, mas que, no Brasil real, mais se parece a uma ficção científica.
Ora, como falar em mérito quando um garoto da periferia chega ao cursinho sem jamais ter tido uma aula decente de física, enquanto o seu concorrente já fez intercâmbio e tem inglês fluente?
Chamar isso de competição justa é o mesmo que exigir de quem corre descalço que vença o atleta de tênis importado.
Eis o ponto: o que as cotas fazem é apenas admitir o óbvio, aquilo que a elite branca e escolarizada sempre soube — mas nunca gostou de ver reconhecido em lei.
Por isso, tanto incômodo.
Não se trata de uma disputa filosófica sobre justiça universal, mas do medo concreto de perder privilégios seculares.
E há o componente simbólico: cotas escancaram que o Brasil é, sim, um país racista. E isso dói na alma da elite cordial, que prefere posar de “tolerante” enquanto mantém intacta a estrutura que exclui.
É mais confortável acreditar que somos todos iguais e que a desigualdade é só questão de esforço. Difícil é encarar o espelho que mostra a cor da desigualdade.
Por isso, caro leitor, as cotas não incomodam por serem injustas.
Incomodam por serem justas demais.
Porque, no fundo, o maior temor não é que “o outro” esteja ocupando um espaço que não lhe pertence, mas que finalmente ocupe o espaço que sempre lhe foi negado.
Elogios todos seriam poucos para a maestria desse texto. Parabéns Tarciso
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