terça-feira, 12 de março de 2024

Quantas Lolos ainda serão necessárias para que o racismo chegue ao fim?

Joaquim Nabuco escreveu brilhantemente na sua obra Minha Formação:

A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil.

Para a pequena Lolo, moradora de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, foram necessários apenas 4 anos para sentir na pele as consequências desta característica nacional.

O que deveria ser um dia normal de aula para ela, se tornou um pesadelo.

Lolo, como toda criança tem de passar por esse processo de adaptação que é a escola. Conhecer um novo ambiente, novas crianças e outros adultos que terão o papel de autoridade semelhante ao dos pais.

Uma nova rotina, novas regras, horários, comida, atividades, deveres, enfim, praticamente uma nova vida.

Para uma criança de 4 anos, o mundo é todo alegria. Não há, salvo raríssimas exceções, a maldade.

Porém, há ainda a escravidão.

Ela espalhou por nossas vastas solidões uma grande suavidade; seu contato foi a primeira forma que recebeu a natureza virgem do país, e foi a que ele guardou; ela povoou-o como se fosse uma religião natural e viva, com seus mitos, suas legendas, seus encantamentos;

Lolo aos 4 anos não tem noção de que alguma pessoa possa lhe desejar fazer mal. Para ela, o mal é um conceito ainda inatingível. Mas isto não lhe é garantia de que o mal não possa ocorrer.

Para Lolo, sua pele, sua cor, ainda não é uma característica que a diferencie das demais crianças. Para ela, todos somos iguais. Crianças, adultos, idosos, todos são seres humanos.

Um pensamento infantil.

Mas a escravidão, no Brasil...

insuflou-lhe sua alma infantil, suas tristezas sem pesar, suas lágrimas sem amargor, seu silêncio sem concentração, suas alegrias sem causa, sua felicidade sem dia seguinte...

Lolo, com sua alma infantil, fez o que uma criança normal faz todos os dias nas milhões de escolas pelo Brasil afora. Foi carinhosa com um de seus colegas de classe. Um abraço.

Deu um simples abraço em outra criança, e ficou ali, na fila, como aprendeu a fazer todos os dias.

Mas então, o pai da outra criança, simplesmente entrou na escola, agredindo a diretora da unidade que se encontrava no portão, e empurrou Lolo pelas costas.

Assustada, acuada, Lolo teve ainda de ouvir ameaças com o dedo do agressor diante de seu rostinho assustado.

A polícia foi acionada e o agressor confessou que já havia tentado ensinar o filho a bater na pequena Lolo. O motivo? Ele não soube explicar. Não precisava, estava na cara. Não na dele, na de Lolo.

Diretora, monitora do pátio, e agressor foram ouvidos na delegacia especializada.

Lolo foi ouvida pela psicóloga ainda com a chupetas na boca. Ela não sabia explicar o que tinha feito de errado.

É melhor assim.

Como poderia uma pessoa em sã consciência explicar a uma pequena criança de 4 anos que seu erro foi ter nascido negra?

Como poderia uma pessoa normal tentar incutir na cabeça de uma criança de 4 anos que isso será pelo resto de sua vida, uma rotina?

Como poderia alguém, conseguir fazer Lolo entender que ela jamais iria poder consertar o seu erro, pois está estampado na pele?

Lolo terá ainda muito tempo para entender o que aconteceu no dia de hoje. Ainda há a esperança de que o tempo apague de sua memória o ocorrido.

Pode ser difícil, mas quem sabe Deus não se compadece e abençoa essa criança com o esquecimento?

Eu, velho, não conseguirei esquecer, embora preferisse.

Tampouco conseguirei entender como uma pessoa tem a coragem de agredir uma criança de 4 anos apenas por causa da sua cor.

Há muitas Lolos por esse Brasil afora. Algumas já são da minha idade, e ainda continuam sendo humilhadas por causa da sua cor.

Isso não vai mudar, infelizmente eu sei. Nabuco estava certo, por mais que me doa admitir.

A escravidão...

É ela o suspiro indefinível que exalam ao luar as nossas noites de Campo Grande ( no texto original, do norte ).



Obs. O nome da criança foi substituído para preservar sua identidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário