sábado, 30 de dezembro de 2023

O me lambe de Roberto é o marco final da música brasileira

Foi com horror crescente que ouvi minha mãe dizer:

"Roberto Carlos cantou 'me lambe' no seu especial de fim de ano."

Confesso que tive de pesquisar pelas planícies férteis da Internet para descobrir do que se tratava esse fenômeno musical "me lambe".

A horrenda música é um "sucesso" de um tal Jão.

Não João, como João Gilberto, ou John, como John Lennon. Mas simplesmente, Jão.

A lembrança de Ariano Suassuna brincando sobre a definição de gênio dada a Chimbinha, me passou pela cabeça.

A constatação de que o Brasil perdeu no caminho da história, algo que tinha de melhor no mundo: a música.

O Brasil de Chiquinha Gonzaga, Gonzaguinha, Chico e Caetano, deu lugar a Jão.

Maysa, Elis, Emilinha Borba, Gal, deram lugar a Anitta e Luísa Sonza.

Com todo respeito, comparada a Gal, Luísa Sonza é uma bunda reproduzindo sons no palco, literalmente.

Este empobrecimento da música brasileira tem lá seus motivos variados, mas por cá, temos uma mania de colocar sempre um pouco de culpa na política.

E não há de surpreender que dentro de um Uber, o motorista me jogou na face a frase:

"Não escuto mais Elis, pois votou no Lula."

A reação de minha esposa foi engolir seco, e quando eu tentei dissuadir o motorista de seu equívoco, ele foi taxativo:

"Elis é comunista."

Pobre Elis, falecida em 82, talvez nem mesmo tenha acreditado que teríamos eleições presidenciais novamente no país.

Alguém, por certo, dirá que estou inventando. Deixe estar.

O problema não é a invenção, mas a falta dela. Ao menos na hora de compor música.

Trocamos o samba de um nota só, por músicas inteiras de uma palavra só.

E vai se aceitando um sertanejo sem pôr-do-sol, porque o cantor do tchutchutchu é simpático ao seu genocida favorito.

Ou se aceita uma hiena histérica requebrando no palco, porque é simpático ao comunista de plantão.

Os degraus vão sempre para baixo, Elis desce para Maysa, que desce para Gal, que desce para Elba, que desce para Calcanhotto, que desce para Marisa Monte, que desce para Maria Rita, que desce para Paula Fernandes e vai descendo e vai descendo, e chega até o chão, com Waleska, a popozuda.

O eu lírico feminino de Chico dá lugar ao eu machista de Leonardos e Eduardos Costas.

A gente ligava um vinil e bebia da fonte de Chico, hoje acessa o Spotify e quem bebeu foi o cantor. Que geralmente bebeu até esquecer a própria letra.

Tudo hoje é vulgar.

Aquarela virou "as cadelas".

O que diria Erasmo Carlos, um dos maiores do Brasil, tão pouco reconhecido que nem mesmo Roberto o convidava mais para o seu especial ao ouvir este mesmo Roberto entoar "me lambe"?

Alguns dirão, cada um tem um gosto. Disso eu sei.

O problema é que o gosto de hoje tem gosto ruim.

É pau, é pedra, é o fim do caminho.

Pois é Rei. Um dia o senhor ousou ungir Paula Fernandes.

Gosto dela. Da voz, de algumas melodias, de algumas letras.

Mas, desculpe, nem ela, eu ousaria lamber.

Deixe eu cá, com meu cair de tarde como viaduto, pois não estou interessado em nenhuma teoria, só quero ver a banda passar, que coisa mais linda que vem e que passa, (eu vejo) da janela lateral do quarto de dormir, caminhando contra o vento sem lenço e sem documento, com a piscina cheia de ratos, (sabendo que) todos os dias quando acordo não tenho mais o tempo que passou.

Deus me proteja de mim, da maldade de gente boa e da bondade da pessoa ruim.

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