(por Antonio Gonzalez)
Fui uma criança tímida, moldada por uma educação de disciplina e valores firmes, onde a ética era a poetisa que ensinava humildade, simplicidade, solidariedade e gratidão. Dessa mistura nasceram os princípios que me sustentam.
Nos colégios Santa Rosa de Lima e Santo Inácio, era o típico CDF — estudioso, dedicado, confiante de que o mérito nascia do esforço. Tudo parecia seguir o curso natural, até que, aos treze anos, a vida virou poesia amarga. Meus pais em crise conjugal, desquite à vista. Sofri pelos dois e lutei contra o que parecia inevitável — eu não queria ser filho de pais separados.
A timidez deu lugar à revolta. De aluno exemplar, tornei-me repetente. Caí, despenquei, e quanto mais afundava, mais me reinventava.
Em 1977, o Encontro de Casais com Cristo os reconciliou — e me devolveu outro olhar sobre a vida. Já era outro: um adolescente dividido entre o anjo e o rebelde. O anjo subia favelas levando alimento e fé; o diabo e rebelde pichava “ABAIXO A DITADURA” e saia na porrada no Maracanã.
Aos 16 anos, cantei Pra Não Dizer que Não Falei de Cristo (versão da música do Vandré), numa missa, na Igreja de São João Batista da Lagoa e fui denunciado à repressão. Monsenhor Arlindo Thiessen me defendeu; a Irmã Divina me escreveu:
“Meu menino quase homem, idealista e radical, é pra você essa canção — simples, pobre, mas de coração.”
Namorei, me apaixonei e desapaixonei. Casei com quem me quis, e em 1988 o mundo me chamou.
Vivi seis anos em Madrid — intensos, sedutores, plenos de descobertas. Estudei, trabalhei numa multinacional em posto de gerência, aprendi. Voltei ao Brasil por palavra dada, mas logo o destino desatou o nó. Em 1998 me separei — tomei um merecido pé na bunda, confesso.
Vieram novos amores, ao todo cinco casamentos, novos recomeços. Fui, voltei, lutei. O Fluminense foi parte da minha alma — vivi o clube como quem ama demais, com alegrias, feridas e glórias.
A Bahia me encantou. No Esporte Clube Bahia, em 2002, vivi uma grande fase — humildemente criei o melhor programa de sócio-torcedor do país, destaque na revista Lance+. Mas o sucesso é vento: passa.
No final daquele ano voltei à Espanha. Trabalhar na noite deu-me status, as luzes, o brilho e as armadilhas me seduziram. Veio a recessão e, com ela, a falência moral. Em 2012, meu Pai, já debilitado, disse:
“Volta para o Brasil”.
Dessa vez obedeci.
No regresso, encontrei novos amigos que viraram irmãos e reconheci, nos antigos, o verdadeiro significado de traição e filho da puta. Aprendi que a solidão pode ser um lugar sagrado.
Hoje vivo em Taubaté, convivendo com doenças que me lembram que cada dia é um presente. Não sei como estarei amanhã, mas celebro cada amanhecer. Mato um leão por dia e sigo grato.
Lembro-me de 1991, em Madrid, quando disse à Beatriz, minha primeira esposa:
“Achei que não chegaria aos 30; o que vier daqui pra frente é gorjeta de Deus.”
Pois já são 34 anos de gorjeta — e que gorjeta maravilhosa!
Penso nos amigos que lutam contra o Parkinson, mais jovens que eu. Oro por eles, sempre! Agradeço por ainda estar aqui.
Dentro da minha solitude, celebro a dádiva de existir.
Feliz aniversário, Gonzalez.
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