sábado, 4 de fevereiro de 2023

Não botamos a nossa cara na reta pelas "Diretas Já" para que rasguem a Constituição

Não sei se você se lembra...

Eu sim! 

Estávamos nas ruas com os nossos corações de estudantes, nas poesias de Milton, Chico, Gil, Caetano, Belchior, Zé Ramalho, entre outros.  Ocupávamos as praças. Sem disparar um tiro, mesmo sabendo que a dor das vítimas da absurda tortura, por sempre nos ressignificasse... Vinte anos com a coragem do medo da visita do chicote que silenciava.

Em 25 de abril de 1984, sob grande expectativa dos brasileiros, a emenda das eleições diretas foi votada, obtendo 298 votos a favor, 65 contra e 3 abstenções. Devido a uma manobra de políticos aliados ao regime, não compareceram 112 deputados ao plenário da Câmara dos Deputados no dia da votação.

Há quase 39 anos, nessa noite, na hora da votação, estava na Cinelândia. Ao meu lado, Ricardo Alves Selento, o meu brother Ricardinho da Torcida Jovem do Flamengo.  Nós sabíamos que era impossível.  Mas aqueles, até então, quatro meses de 1984 foram de pura magia. Quinze dias antes, naquele espetacular 10 de abril, no Comício das Diretas Já (com a presença de mais de um milhão de pessoas) nos abraçávamos na esquina de Presidente Vargas com Avenida Rio Branco, lágrimas nos olhos. Eis que surge o Alonso da Força Jovem do Vasco. Eram pouco mais que dez da noite, três cabeças das organizadas que saiam na porrada entre si, num só ser. Chorando juntos, unidos.

Não era uma questão de seita, nem de feiticeiro... Apenas queríamos viver as liberdades, da qual somente sabíamos existir, nas imagens do exterior, que se apresentavam aos som das chamadas do “Jornal Nacional” e do “Fantástico”.

Os anos 1980 trouxeram mudanças de pensamentos e de comportamentos. A própria efervescência do “Rock Brasilis”, nos tornou planfletários através da arte: desde “Vital e sua Moto” com o “desce daí garoto, senão eu atiro em você”, passando por Lobão, que era o próprio front man em “Cena de Cinema”, tangenciando à Marina que perguntava “pra começar, quem vai colar os tais caquinhos, do velho mundo?”, rasgando com o Barão ao pedir “pro dia nascer feliz”, decifrando com Celso Blues Boy que em “Tempos difíceis” alertava  avisando o “porque chorar não vale mais a pena”.

Perdemos, não conseguimos emplacar naquele 1984 as DIRETAS JÁ. Mas a semente foi plantada, a terra, por necessidades, por si só, era fértil.  O custo era a dobradinha Tancredo e Sarney, mas a Constituinte estava em estado embrionário.

O mesmo Lobão que queimava no seu carro a tal da gasolina, ao escrever “Revanche”, fotografava: 

A favela é a nova senzala, correntes da velha tribo...

E a sala é a nova cela, prisioneiros nas grades do vídeo...

E se o sol ainda nasce quadrado, a gente ainda paga por isso.


Gil... o Gilberto foi além, falando como periferia:

Das feridas que a pobreza cria, sou o pus.

Sou o que de resto restaria aos urubus.

Pus por isso mesmo este blusão carniça.

Fiz no rosto este make-up pó caliça.

Quis trazer assim nossa desgraça à luz.

Sou um punk da periferia, sou da Freguesia do Ó...”.

 
Para a gente que foi criança que virou adolescente e passou a jovem sob as tesouras da Censura, ouvir esses versos, representava chegar ao clímax. A gente não tinha tempo, mas a gente corria contra o tempo, nossas vidas necessitavam das nossas pautas, não as escritas por mãos alheias.

 
E o RPM nos brindou dizendo que era para invadir, para pilhar, para (re)tomar o que era nosso...
 
Zé Beto, que foi dono do U-bhan, um barzinho top que ficava na Paulino Fernandes, militante daquele rejuvenescido PSB, em 1988, lançou um livro: “Nem ficou a pátria livre, nem morri pelo Brasil”...

De repente o tempo passa, daquele 1984 ao atual 2023, quase 39 anos depois, domingo, 8 de janeiro... As imagens de Brasília nas televisões, nos celulares, nas redes sociais, todas, transpiravam ódio.

Ganhar ou perder faz parte do jogo, não sou um idiotizado, é óbvio que eu quero ganhar. Mas perder faz parte do jogo da honestidade, da ética, da verdade, da democracia, das pessoas religiosas (diferente de pessoas que vivem das religiões).

Em pleno final deste primeiro quarto de século XXI, vocês acham que eu vou ficar calado, mesmo que por isso venha a ter perdas de amizades ou cancelamentos?

Tá feio, esse espírito de indução à guerra civil. Faço uma regressão, até o Canecão em 1986... O mesmo RPM, dirigido pelo anjo Ney Matogrosso, antevia:

Ouvimos qualquer coisa de Brasília, rumores falam em guerrilha... Foto no jornal... Cadeia nacional, uou!”...

Quer dizer que tem gente querendo reescrever a história, atropelar o que aconteceu neste país em 1984? Tô fora. Nem golpe, nem fundamentalismo de Bíblia furada. Democracia.

Acredito na alternância no poder, desde que democrática, onde +1 sempre valerá mais que -1.

 Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante... Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo!” frase que tatua a essência do Raulseixismo em plenitude, me desenha.

Em um curto espaço de tempo perdemos o Jô Soares, Tarcísio Meira, Gal Costa, Erasmo Carlos, Pelé, Roberto Dinamite, Nélida Piñon, Milton Gonçalves, Claudia Jimenez, Elza Soares, Leandro Lo (lutador assassinado por um membro da PMSP), Arnaldo Jabor, Lygia Fagundes Telles, Maria Lúcia Dahl, entre outros... É muita coisa... É muita cultura, muito esporte.

Ficamos mais tristes, de certa forma órfãos. E ainda tem gente pensando numa guerra civil. É isso. Ou é melhor admitir que somos todos Tik-Tok, a melhor faculdade para o seu filho na atualidade.

Sou grato, não me vendo. Só não me faz de otário.

Termino deixando um pouco do que continuo pensando.

Em “Dizem”, eu que não sou, nem nunca tive a pretensão de ser cantor, apresento um pouquinho da minha poesia.


https://youtu.be/agWX4F4jzhc

O espanhol Joaquin Sabina define, diante das minhas visões, que “me duermo en los entierros de mi generación”... 

Digo não à mesmice, também digo não a aqueles que dão normalidade e visibilidade ao anormal.

Bem me quer, mal me quer...

"Esse caminho que eu mesmo escolhi... É tão fácil seguir, por não ter onde ir.

Controlando a minha maluquez... Misturada com minha lucidez...

Vou ficar...  Ficar com certeza... Maluco beleza".

É por aí, Mestre Raul...

Um beijo no coração de vocês.

 
TEXTO DE:


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