quarta-feira, 12 de novembro de 2025

A imprensa que só gosta de democracia quando ela é silenciosa

A boa e velha hipocrisia que tem um berço esplêndido onde sempre pode se deitar: a imprensa brasileira.

Bastou que manifestantes, entre eles indígenas e movimentos sociais, tentassem forçar a entrada na sede da COP 30, em Belém, para que o noticiário voltasse ao velho tom moralista: “vandalismo”, “ameaça à imagem do Brasil”, “problema para o governo Lula” e claro, "terrorismo".

Ora, ora. Desde quando democracia se mede por conveniência estética ou diplomática?

Protestar é um ato de soberania civil, não um problema de relações públicas. E quando o protesto vem justamente dos grupos que sustentam historicamente a luta ambiental e os direitos humanos — indígenas, quilombolas, ribeirinhos, trabalhadores —, é duplamente legítimo. Eles não são “base de Lula”; são base da democracia.

Sim, houve tensão. Sim, houve excesso. E daí? Desde quando democracia é um chá das cinco? A história é feita de embates, de disputas, de vozes que gritam quando ninguém quer ouvir. O protesto — mesmo o que extrapola — é um espelho do vigor democrático.

O que causa espanto é ver jornalistas que, durante o governo Bolsonaro, chamavam seus apoiadores de “gado” por aplaudirem cegamente todo absurdo, agora indignados porque parte da base lulista decidiu fazer o oposto: apoiar criticamente, cobrar coerência, exigir compromisso.

Há algo de doentio nessa lógica. Quando o eleitor é passivo, é “gado”. Quando é ativo, é “radical”.

Talvez essa seja a tal polarização que eles tanto insistem em nos convencer que existe.

A imprensa parece querer um eleitorado obediente, de preferência calado. Só que democracia não se faz com plateia — se faz com participação, até com conflito.

Lula, goste-se ou não, não foi eleito para ser um rei, e seus eleitores não são súditos. Quando protestam, não traem o governo; exercem o direito que diferencia cidadãos de seguidores.

É curioso ver que os mesmos que relativizaram invasões de golpistas em Brasília, chamando-as de “ manifestações de velhinhas com Bíblias debaixo dos sovacos”, agora tratam indígenas e ambientalistas como inimigos da civilização.

O peso e a medida variam conforme o interesse editorial — ou o incômodo que causa ver o povo real ocupando o espaço público.

O Brasil, anfitrião da COP 30, mostra ao mundo que sua democracia é viva — às vezes ruidosa, às vezes desconfortável, mas viva. Só os autoritários travestidos de moderados acham que o povo deve ficar quieto para não “manchar a imagem do país”.

Pois saibam: o que mancha a imagem do Brasil não é o protesto legítimo; é a hipocrisia de quem finge defender a democracia, mas só quando ela cabe no editorial de domingo.

Democracia não é um espetáculo de bons modos. É um terreno de disputas, de vozes, de críticas — inclusive às próprias autoridades que ajudamos a eleger. E, sinceramente, se a imprensa não entende isso, talvez o problema não esteja na “base de Lula”, mas na base da imprensa.


Em tempo, apesar de apoiar todo tipo de protesto pacífico e acreditar na liberdade de crítica, não acredito que a tentativa de invasão forçada a sede do COP 30, seja o caminho mais correto para alcançar os objetivos políticos.

2 comentários:

  1. Como sempre, na medida exata.
    Me surpreende.... Aliás não mais. É explícita a hipocrisia das leis, conferências e afins... Há acertos sim, mas mais enganos.

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  2. A imprensa já teve papel mais honrado. Mas assim como tantas outras coisas, acabou encharcada no viés político e teve a "visão embaçada" por isso.

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