Sim, o recreio. Aquele intervalo entre uma aula e outra, onde alunos e professores tentam comer alguma coisa, tomar um café e ir o banheiro, antes que sino volte a tocar.
O Brasil não é para iniciantes, amadores, e ultimamente nem para profissionais.
Pois bem: algumas instituições de ensino superior, sempre muito ciosas da “gestão eficiente”, descobriram uma maneira inovadora de enxugar custos — o tipo de solução que só aparece quando gente muito criativa se reúne numa sala com ar-condicionado e café em cápsula: descontar dos professores o tempo do recreio.
Ora, claro! Por que não?
Se a lógica for essa, podemos também descontar do médico o tempo entre uma cirurgia e outra, do juiz o intervalo entre um julgamento e o próximo, do jornalista os cinco minutos em que respira fundo antes de escrever sobre uma pauta estapafúrdia como essa que estou escrevendo (e agravo: de graça).
Do jeito que vai, não tardará o momento em que algum gênio administrativo reivindique que o professor seja descontado por ficar calado durante a prova.
Mas eis que o STF, esse ente metafísico que precisa entrar em cena sempre que a realidade brasileira insiste em ser uma comédia pastelão, decidiu o óbvio: recreio faz parte da jornada de trabalho.
O professor não está de férias entre uma aula e outra. Não está em Mônaco jogando roleta, ou no Maracanã gritando Mengo!, e muito menos diante de um quartel pedindo golpes. Em geral, está vigiando corredor, atendendo aluno, preparando próxima atividade, impedindo que dois adolescentes resolvam uma divergência filosófica à base de cadeirada (né, Datena?).
O recreio, no Brasil, é mais perigoso que sessão do Conselho de Segurança da ONU.
Mas vejam a ironia: para que o óbvio fosse reconhecido como óbvio, foi preciso que o Supremo parasse para julgar…? isso mesmo: intervalos escolares.
É quase poético. A mais alta Corte do país decidindo aquilo que qualquer pessoa que já colocou os pés em uma escola sabe desde a pré-escola.
O problema, no fundo, é que o professor brasileiro virou uma espécie de entidade esotérica. Todo mundo louva. Todo mundo exalta. Todo mundo diz que sem professor não há futuro — e aí tentam descontar até o recreio. É a “pedagogia do aperto financeiro”. Uma aula prática de desvalorização profissional.
Pois bem, o STF colocou ponto final nessa ópera-bufa.
E aqui, permitam-me a ironia inevitável: ainda bem que temos o Supremo. Porque se dependesse de certas mentes criativas do Congresso, logo logo iriam sugerir que o professor só recebe quando está falando. Silêncio não remunera. Pausa não conta. Beber água é privilégio.
No mais, parabéns ao STF por mais uma contribuição inestimável à ordem constitucional do país: salvou o recreio. Faltam agora salvar o salário, a carreira, a infraestrutura e — quem sabe? — a dignidade.
Mas calma: uma coisa por vez. No Brasil, até o óbvio dá trabalho.
Detalhe final: os ministros do STF julgaram a causa sem nem mesmo, um intervalo para o cafezinho.

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