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“O lodo das ruas" Editora Sétimo Selo, RJ, 2022 |
Uma editora corajosa resolveu fazer o que nenhuma das grandes teve peito: reeditar a saga de Octavio de Faria, “Tragédia burguesa”, composta de 15 romances publicados entre 1937 e 1979, ou seja durante 42 anos.
Uma vida, diremos com nossos botões. “O lodo das ruas”, que acaba de sair, foi publicado em 1942 é o terceiro e aqui para nós um dos melhores. Sim, eu li todos, pois preparo sem data de finalizar um estudo sobre sua obra de ficção.
“Toda família tem um momento em que começa a apodrecer” disse um dia Nelson Rodrigues, frase que cai como uma luva em nosso livro em questão, escrito várias décadas antes.
Na verdade, tirando o sarcasmo, o livro que mais se parece com “O lodo...” na minha opinião é “O casamento” o romance rodrigueano publicado (e proibido) em 1968. Dois autores católicos conservadores, mas cuja obra ultrapassa suas ideologias ultrapassadas e contém os ataques mais virulentos contra a burguesia de toda literatura brasileira. Ler para crer.
Tratamos aqui da família Paiva e sua implosão. Pai autoritário, mãe adúltera, tia carola. Cinco filhos. Três rapazes e duas moças. Teremos um desinteressado da esposa, um apaixonado pela cunhada, outro bancado por um pretendente gay, uma filha grávida solteira, outra noiva de um primo de passado pouco recomendável, dois bastardos, um suicídio. Um padre idealista que tenta ajudar e só atrapalha. Etc e tal. Cenas da vida carioca classe média na década de 1930 na Zona Sul. Os Paiva derretem como um sorvete no sol tropical.
Trata-se, portanto, de um melodrama quase dramalhão, mas não um melodrama social ou romântico como a maioria dos melodramas, mas sobre a moral católica e seu confronto com a vida real.
Com seu estilo intimista seco e implacável (que apressadinhos definem como “falta de estilo” ou “mau estilo” ou “chatíssimo”) Octavio de Faria sabe do que está falando, pois fala de sua própria classe social.
É um absurdo que o único autor importante a retratar os conflitos da classe dominante da antiga capital da república durante o Estado Novo tenha sido alijado dos nossos estudos de literatura por pruridos ideológicos ou pela simples preguiça em conhecer sua extensa obra. Fica faltando um pedaço. Nem tudo é mandacaru, acarajé ou chimarrão.
Em tempo: embora encadeados na mesma saga com personagens que transitam de um livro para outro, cada volume pode ser lido separadamente sem muito problema. Atenção. Se mesmo um anarco-agnóstico, um antípoda como eu viu todas essas qualidades, é necessário reavaliar. Tudo tem de ser revisto sempre e para sempre, periodicamente. Chegou a hora do Octavio de Faria.
O livro se encontra nos saites e livrarias para quem se interessar.

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