sábado, 13 de setembro de 2025

Divagações sobre um julgamento

Bolsonaro dedicou seu voto no impeachment de Dilma ao torturador Brilhante Ustra dentro do plenário da Câmara dos Deputados. Ali ele iniciou sua campanha rumo ao Palácio do Planalto. Ele é filho da ditadura militar, seu herdeiro político e ideológico. 

O Brasil, ao contrário de vizinhos como o Chile e a Argentina, nunca levou ao banco dos réus os militares que impuseram uma ditadura que durou 21 anos e promoveu tortura, perseguições e assassinatos que marcaram com sangue a história do país. Não só os golpistas de 1964, mas os responsáveis por todas as tentativas e golpes na história da República foram perdoados e anistiados. A própria República foi inaugurada com um golpe militar. 

Por isso esse julgamento é tão importante e carregado de simbolismos. A condenação do ex-presdidente e de seus ex-ministros e assessores, tanto civis quanto militares, pela tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e outros crimes correlatos é inédita e serve de exemplo para o mundo num momento em que as democracias estão sob ataque intenso. Mais do que isso, punir militares de alta patente é um desagravo e uma forma de fazer justiça à memória de tantos brasileiros torturados, perseguidos e mortos pela ditadura. É sobretudo um aviso, um indicativo aos militares de que aventuras golpistas serão punidas com o rigor da lei. 

Por tudo isso o voto decisivo ter sido dado por uma mulher, a ministra Cármem Lúcia, deixa tudo ainda mais simbólico. Um voto sucinto, claro, objetivo e corajoso contra uma organização criminosa comandada por um homem que fez questão de manifestar sua misoginia em vários momentos de sua vida pública. 

O voto da eminente ministra ganha ainda mais destaque por ela ser atualmente a única mulher na Suprema Corte de um país onde somente a partir de 1932 as mulheres começaram a ter direito ao voto. 

Por outro lado, o voto de Fux absolvendo a maioria dos golpistas, por mais incoerente que tenha sido, ajuda a desmontar a tese da extrema direita de que estamos vivendo uma ditadura da toga. Afinal, mesmo na Suprema Corte, apesar do consenso da maioria, há espaço para a divergência e o contraditório. 

Não deixa de ser irônico também que Bolsonaro tenha atuado por 27 anos como parlamentar do baixo clero e agora tenha sido condenado a 27 anos como presidiário. 

Outro dado numerológico que me pareceu curioso pela simbologia é o fato do ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, ter nascido a 13 de dezembro de 1968, justamente o dia em que os militares decretaram o AI-5 ( Ato Institucional nº 5), o ato mais violento da ditadura que instituiu a censura, a tortura, determinou o fechamento do Congresso, a extinção dos partidos e a cassação do mandato dos parlamentares eleitos pelo voto. 

Por fim eu acho um escárnio que a decisão do STF tenha de ser homologada pelo STM (Superior Tribunal Militar) em relação aos três generais e ao almirante. 

Além disso eu acho também que o fato de Bolsonaro ter sido condenado por planejar um golpe deveria invalidar suas duas indicações para o STF. Afinal, se ficou provado que havia um plano de permanecer no poder, a indicação para a Suprema Corte também fazia parte desse plano.

E Bolsonaro ainda precisa responder pelos crimes durante a pandemia que causaram milhares de óbitos, pela adulteração dos cartões de vacinação, pelo roubo das jóias e pela prática de rachadinha. 

Seja como for, para consolidar essa decisão precisamos derrotar a extrema-direita na corrida presidencial e eleger um Congresso mais progressista ano que vem. Afinal de contas o próximo presidente deve indicar três ministros para o STF.

TEXTO DE:
Makely Ka

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