O Brasil, ao contrário de vizinhos como o Chile e a Argentina, nunca levou ao banco dos réus os militares que impuseram uma ditadura que durou 21 anos e promoveu tortura, perseguições e assassinatos que marcaram com sangue a história do país. Não só os golpistas de 1964, mas os responsáveis por todas as tentativas e golpes na história da República foram perdoados e anistiados. A própria República foi inaugurada com um golpe militar.
Por isso esse julgamento é tão importante e carregado de simbolismos. A condenação do ex-presdidente e de seus ex-ministros e assessores, tanto civis quanto militares, pela tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e outros crimes correlatos é inédita e serve de exemplo para o mundo num momento em que as democracias estão sob ataque intenso. Mais do que isso, punir militares de alta patente é um desagravo e uma forma de fazer justiça à memória de tantos brasileiros torturados, perseguidos e mortos pela ditadura. É sobretudo um aviso, um indicativo aos militares de que aventuras golpistas serão punidas com o rigor da lei.
Por tudo isso o voto decisivo ter sido dado por uma mulher, a ministra Cármem Lúcia, deixa tudo ainda mais simbólico. Um voto sucinto, claro, objetivo e corajoso contra uma organização criminosa comandada por um homem que fez questão de manifestar sua misoginia em vários momentos de sua vida pública.
O voto da eminente ministra ganha ainda mais destaque por ela ser atualmente a única mulher na Suprema Corte de um país onde somente a partir de 1932 as mulheres começaram a ter direito ao voto.
Por outro lado, o voto de Fux absolvendo a maioria dos golpistas, por mais incoerente que tenha sido, ajuda a desmontar a tese da extrema direita de que estamos vivendo uma ditadura da toga. Afinal, mesmo na Suprema Corte, apesar do consenso da maioria, há espaço para a divergência e o contraditório.
Não deixa de ser irônico também que Bolsonaro tenha atuado por 27 anos como parlamentar do baixo clero e agora tenha sido condenado a 27 anos como presidiário.
Outro dado numerológico que me pareceu curioso pela simbologia é o fato do ministro Alexandre de Moraes, relator do processo, ter nascido a 13 de dezembro de 1968, justamente o dia em que os militares decretaram o AI-5 ( Ato Institucional nº 5), o ato mais violento da ditadura que instituiu a censura, a tortura, determinou o fechamento do Congresso, a extinção dos partidos e a cassação do mandato dos parlamentares eleitos pelo voto.
Por fim eu acho um escárnio que a decisão do STF tenha de ser homologada pelo STM (Superior Tribunal Militar) em relação aos três generais e ao almirante.
Além disso eu acho também que o fato de Bolsonaro ter sido condenado por planejar um golpe deveria invalidar suas duas indicações para o STF. Afinal, se ficou provado que havia um plano de permanecer no poder, a indicação para a Suprema Corte também fazia parte desse plano.
E Bolsonaro ainda precisa responder pelos crimes durante a pandemia que causaram milhares de óbitos, pela adulteração dos cartões de vacinação, pelo roubo das jóias e pela prática de rachadinha.
Seja como for, para consolidar essa decisão precisamos derrotar a extrema-direita na corrida presidencial e eleger um Congresso mais progressista ano que vem. Afinal de contas o próximo presidente deve indicar três ministros para o STF.
TEXTO DE:
Makely Ka

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