quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Barroso deixa o Supremo — e o Brasil se olha no espelho

Luís Roberto Barroso decidiu antecipar a própria aposentadoria do Supremo Tribunal Federal.

Poderia, em tese, permanecer até 2033, mas anunciou que deixará o cargo antes. E não há como ignorar o simbolismo disso. Quando um ministro do STF — especialmente um com protagonismo tão intenso — decide pendurar a toga por vontade própria, o país deveria parar por um minuto para pensar.

Não se trata de um gesto banal. É, antes, uma espécie de radiografia do tempo que vivemos.

O gesto e o seu tempo

Barroso sai por decisão pessoal — e ninguém o obriga. Não há pressão institucional, nem conspiração palaciana, ou medo de restrições americanas.

Há, sim, o cansaço de quem passou mais de uma década conduzindo a própria biografia sob as luzes dos holofotes permanente.

O ministro foi, talvez, o mais midiático dos ministros de sua geração — e também o mais consciente do valor pedagógico da palavra pública.

No entanto, há uma fadiga no ar. O ambiente de violência política, os ataques sistemáticos ao STF, o desgaste diário de ser alvo tanto de aplausos histéricos quanto de ódios irracionais — tudo isso cobra um preço. A toga pesa, e Barroso decidiu se livrar do fardo.

Mas é claro: quando alguém desse porte deixa o tribunal, abre-se imediatamente a temporada de apostas e intrigas — a BET da sucessão.

A cadeira vaga e a ganância de Brasília

A política, essa criatura faminta, não suporta o vazio. Mal Barroso anunciou sua saída e já se ouvem nomes sussurrados nos corredores do Planalto e do Congresso: Jorge Messias, Bruno Dantas, Rodrigo Pacheco, Vinícius Carvalho.

A lista é longa, e o critério, como sempre, duvidoso.

O presidente Lula terá, mais uma vez, a oportunidade de indicar um ministro — e com isso, moldar o equilíbrio interno da Corte.

O problema é que o STF não é uma coleção de simpatias ideológicas. É uma instituição com personalidade própria, e, por vezes, mais resistente do que parece às vontades do Planalto.

Qualquer observador mais sério sabe que não há “lulismo” ou “bolsonarismo” que domestique a toga por completo. Exceto nos casos flagrantes de Kassio Nunes Marques e André Mendonça.

A história recente mostra que ministros nomeados por governos de esquerda, de direita ou de centro cedo se emancipam do berço político que os gerou.

A questão não é apenas quem entrará, mas que Supremo queremos preservar.

O legado e as feridas

Barroso deixa uma marca inegável. Foi o ministro que empurrou o debate público para além da letra fria da Constituição. Falou de ética, de empatia, de democracia militante — e, algumas vezes, também de si mesmo mais do que o necessário.

Foi protagonista de decisões de enorme impacto: a limitação do foro privilegiado, as medidas sanitárias na pandemia, o transporte gratuito nas eleições, entre outras. Às vezes, brilhou. Em outras, exagerou na retórica. É possível — e saudável — reconhecer ambos os lados.

Houve quem o acusasse de ativismo judicial; houve quem o visse como voz iluminista num país mergulhado no obscurantismo. Ambas as leituras têm algo de verdade. Mas o essencial é notar que Barroso acreditava no poder civilizador do Direito.

E, convenhamos, isso já o distingue da barbárie retórica que toma conta das redes sociais e, não raro, da própria política.

A sucessão e o espelho da democracia

Sua saída devolve ao país uma pergunta incômoda: que papel esperamos que o STF cumpra? Queremos um tribunal que diga “sim” ao governo de plantão, ou um poder que limite o voluntarismo presidencial e a histeria legislativa e das ruas?

Porque é disso que se trata. A indicação do próximo ministro não será apenas uma formalidade — será, como sempre, uma disputa pela alma institucional do país.

Barroso deixa um Supremo que, goste-se ou não, voltou a ser protagonista do debate nacional. O tribunal que julgou a Lava Jato, que enfrentou o comportamento criminoso praticado por que Bolsonaro na pandemia, que enfrentou tentativas de ruptura democrática, é também o tribunal que hoje tenta reencontrar o tom.

Quem vier a ocupar a vaga herdará não apenas processos e gabinetes, mas um papel civilizatório num ambiente de brutalização crescente.

O fim

Barroso deixa o Supremo — mas não o debate público. Ainda o ouviremos. Seu gesto, contudo, encerra um ciclo.

O ciclo de um STF composto por ministros que acreditavam poder salvar o país da má política.

Talvez seja hora de o país, enfim, salvar a política de si mesmo — e permitir que o Judiciário volte a exercer o que sempre foi seu maior poder: o da moderação.

A toga, afinal, não é um palanque. E, paradoxalmente, Barroso compreendeu isso no instante em que decidiu deixá-la.

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