sexta-feira, 31 de outubro de 2025

O boné, a farsa e a bala — a mentira útil do “CPX”

Algumas mentiras matam mais do que balas. E o Rio de Janeiro é, infelizmente, o laboratório perfeito para testá-las.

A mais recente — e talvez uma das mais grotescas — é a teoria conspiratória de que o Partido dos Trabalhadorescomanda o tráfico” e que Lula, ao usar um boné com a sigla “CPX”, estaria prestando homenagem a uma facção criminosa.

Pois bem. O leitor merece o mínimo de verdade, mesmo que ela atrapalhe a catarse ideológica de alguns.

CPX” não é sigla de quadrilha, nem senha secreta de traficante. “CPX” é abreviação de Complexo — como em Complexo do Alemão, Complexo da Penha, Complexo de Manguinhos. É a forma como os próprios moradores das favelas nomeiam suas comunidades. É identidade. É território. É pertencimento.

Mas basta o boné cair na cabeça de Lula — o mesmo que já presidiu o país por oito anos, e que agora volta à cena política vencendo nas urnas o verdugo do mal — para que os arautos da “guerra ao mal” vejam ali a prova de uma conspiração comuno-traficante. O delírio é completo.

A mentira, claro, não é inocente. Ela cumpre função política e simbólica.
Transforma pobres em cúmplices do crime. Transforma comunidades inteiras em extensão de facção. E, por tabela, transforma qualquer figura pública que dialogue com o povo da favela em “amigo do tráfico”.

É uma narrativa conveniente, quase elegante na sua perversidade: o Estado mata — e a culpa é de quem ousa falar com os vivos.

Enquanto isso, o governo do Rio de Janeiro exibe suas operações de “grande sucesso” no Complexo do Alemão e na Penha, com dezenas de mortos, helicópteros sobrevoando escolas e famílias presas dentro de casa.

O nome técnico disso é “ação de segurança”. O nome real é massacre autorizado.

E a narrativa do “boné criminoso” serve como maquiagem moral para o banho de sangue.

Se o presidente usa o boné do “CPX”, dizem, então o tráfico venceu.

Ora, venceu o quê?

O que venceu, de fato, foi a ignorância premiada, o preconceito institucionalizado e a velha mania de confundir favela com facção — como se pobreza fosse escolha, e o Estado, vítima.

No Brasil, especialmente no Rio, a mentira é política de segurança.
O morro é criminalizado, o governo é aplaudido, e quem tenta humanizar vira suspeito.

A fantasia do “CPX do crime” é mais do que uma fake news — é a desculpa perfeita para não olhar o abismo da desigualdade.

O boné de Lula não é símbolo de facção; é símbolo de convivência, de tentativa de diálogo, de um Estado que deveria estar presente sem fuzil na mão.

Mas para quem precisa de inimigos internos, não há espaço para convivência: só para tiros e slogans.

E assim seguimos — entre o barulho das armas e o silêncio das consciências — enquanto a mentira continua a fazer o que sempre faz: justificar a morte e culpar os vivos errados.

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